Assim ou ... nem tanto. 162
Natal
Arrumou os gravetos e, com o tronco da velha árvore acendeu um lume bom. Deixou o cão aninhar-se na cesta vazia e escolheu algumas batatas para acompanhar o caldo que já fervia na trempe de ferro. Tinha uma posta de bacalhau e trouxera três folhas de couve. Havia ovos. Na verdade não esperava ninguém. Todos os que amava o esqueceram ou tinham por outros lados do mundo as suas razões para não estar. Em todo o caso, pôs mais uma batata a cozer, partiu ao meio a posta do bacalhau e meteu na água dois ovos . Muitas vezes acontece o que não esperamos e é melhor prevenir a eventual chegada de alguém. Nunca se sabe quando algum corajoso arrosta com o frio e a neve, sobe aquele lanço agreste de terreno e chega ali, esfaimado do esforço, pronto a aquecer-se ao lume e a trincar o que houvesse. A broa estava fresca, as azeitonas eram novas, o vinho que restava no garrafão bastaria para dois que fossem moderados. De tanta solidão acostumara-se a conversar consigo mesmo, a colocar sempre dois pratos na mesa, a esperar milagres. Um dia haveria de acertar nas previsões e sentia que haveria mais alguém a chegar do escuro para esta consoada. Já tinha vontade do caldo mas esperava. Seria desagradável não esperar um pouco mais pela figura que adivinhava a sair de um carro preto e começar a subir a encosta da serra até chegar ali. – Ó da casa, Ó da casa e o som das palmas levantara o ladrar do cão, a porta aberta dava para a noite e o homem, vergado pela fúria do vento corria para a casa pedindo abrigo. Que o carro avariado não tinha quem naquela noite o arranjasse, que a fome e o frio o apertavam e pedia pelas almas um lugar para ficar e uma sopa para entreter o estômago. – Entre, entre, disse. Mesmo parecendo que não, estava á sua espera. Sente-se e coma comigo. Bom Natal!