No outro lado da rua

A vontade era apenas atravessar a rua, chegar no outro lado. Descer a calçada, prestar atenção, atravessar a rua, chegar do outro lado. Prestar atenção...

A vontade dentro de si fez o coração acelerado, ainda mais acelerado, respirando avechado, dentro da vontade de descer a calçada, ter atenção para olhar para os lados, aos poucos, acertar o passo e chegar no outro lado. Uma vontade de lavar o coração com a bucha de aço da sua amargura, depois colocá-lo para quarar no varal da dor da artéria via principal de uma existência equilibrada na vontade, a vontade, uma vontade de suar as mãos sem parar, contorcer os dedos, sentir pinicando as pálpebras dos olhos que não se aguentavam abertas. As pálpebras vulneráveis ao cansaço de dias de sono, sem descanso, sem piedade do que era enxergado mais ali. Piscavam, piscavam sem parar.

Nem a vontade de atravessar a rua, depois de descer a calçada, no compasso da velocidade de logo chegar ali, onde queria chegar, fazia com que parasse um só instante. Aclamou o coração, deixou que as mãos pudessem ficar secas e os olhos descansados.

Enquanto a vontade se alargava, uma folha seca saída não se sabe de onde veio bailando pelo ar, subindo, descendo, ziguezagueando para todos os lados. A folha, seca folha, cheia de vontade de atravessar toda a rua, sem a preocupação de descer a calçada, suar as mãos ou sentir o coração batendo descompassadamente. Livre de todas as amarras, sorrindo do tempo e abraçando o vento pela oportunidade.

Olhando dentro de si, encontrou os olhos do seu coração. Uma emoção tórrida foi fluindo desse encontro. Seus olhos com os olhos do coração e uma vontade crescente de descer a calçada, atravessar a rua, chegar do outro lado e sorrir.

Prestou atenção na claridade no fundo dos olhos que a olhava. Ensaiou um sorriso sem querer. Vontade de atravessar, mas a vontade da vontade não se tornava tão clara, parecia enigmática.

Fechou os olhos. Mergulhou em si. Pronto.

A travessia da rua foi tão rápida que quando chegou do outro lado, uma vontade de voltar, na pressão, pelo coração que não cabia em si! Os olhos, os olhos... Voltar, atravessar a rua, chegar do outro lado, sem perder tempo... O tempo, a pressa, atravessar a rua...

Marcus Vinicius