NASCIMENTO, VIDA E MORTE
O cemitério fica atrás da igreja, no alto da colina. Aliás, a pequena cidade fica quase toda no alto da colina. O vento constante e forte produz lúgubres sonidos entre as cruzes e sepulturas. Uma destas, em especial, chamou-me atenção: guarda os restos mortais de um casal que tinha a mesma idade - vinte e dois anos - quando o marido morreu. Pelas inscrições na lápide, descobre-se que a viúva viveu por mais vinte e oito anos, falecendo aos cinquenta. E que tinham uma filhinha, que também "assina" a mensagem de despedida e saudades do pai, escrita no mármore.
A foto de porcelana mostra uma mulher entre quarenta e cinco e cinquenta anos, vestida de negro dos pés à cabeça. Lembrou-me uma música de João Bosco, cuja letra fala dos gritos lancinantes de uma mulher ao despedir-se do marido morto. E fiquei a cismar em que tipo de vida teria vivido uma jovem mulher enlutada, numa pequena e conservadora cidade de Minas Gerais, nas primeiras décadas do século passado... Uma vida recatada e silente, sempre de luto; os cuidados com a filha; o trajeto entre a casa e a igreja...
No ano seguinte, voltei àquela cidade a serviço. Concluída minha missão ali, tinha várias horas até o ônibus para voltar a São Paulo. Sem mais nada a fazer nesse período, resolvi revisitar o cemitério e, ao passar pela sepultura em questão, encontrei uma nova lápide, com novas foto e inscrição: agora também descansava ali a filha do casal, morta aos oitenta e sete anos. Três ciclos que se cumpriram, entre 1884 e 1993.