TeXtículo (4)
CRÔNICA
Não somos felizes porque não queremos.
Uma semana, hoje, imobilizado por uma contusão autoprovocada, que gerou outras contusões sequenciadas por outras dimensões existenciais e principalmente comportamentais, foi importante para pensar e refletir sobre alguns aspectos do ser humano ou sobre o ‘eu-sujeito’ como membro do enunciado ‘ser humano’.
Pensar e refletir, para mim são ações que não constituem um mesmo processo, nem são sinônimos. E, se sou convidado aceitar a etimologia e as orientações dos léxicos que dizem o contrário, argumento com a perspectiva que pondero sobre.
Pensar é uma análise e percepção a partir do que está posto. Leio, estudo, assimilo, compreendo, interpreto e repito só alterando os enunciados. Digo o mesmo de maneira diferente. Não acrescento nada. Para mim, é o que fazemos na quase totalidade do tempo em todos os processos de interações sejam estes na sala de aula, nas relações sociais e na família. Transmitimos e informamos.
Refletir começa quando o pensar se esgota. Parte deste para desconstruir, alterar ou qualificar o que está posto. Exemplo: acredito que Deus existe a partir de tudo que me foi ensinado e informado por meus pais, a partir das primeiras experiências relacionais sociais e religiosas e depois pelas experiências escolares. Quando começo indagar ‘e se deus não existe?’, antes de novas leituras e estudos a respeito, estou iniciando o processo de uma reflexão. Sobre a existência ou não de Deus.
Sei e admito que o espaço não é suficiente para uma convincente explicitação sobre a diferença entre pensar e refletir. Nem me convenço de que todo tempo seja suficiente para construir esta diferença. Sei, muitos não fazem a menor diferença. E pensam que estão certos. Eu também. Presumo que, ainda, possa ser um devaneio meu insistir em diferenciar. Apenas. Como a sensibilidade e percepção são processos singulares é assim que percebo. Somente a partir de leituras que ainda não acessei sobre um tema pensado e refletido posso qualificar minhas percepções e sensibilidade para novas inferências.
As leituras que me induziram a novas formas de compreensão de alguns aspectos nesta semana deslocada do cotidiano foram Brandão, ‘O que é Educação?’ (2013), Wintson, Instinto humano (2006), Charlot, ‘Da relação com o saber...’ (2013) – estas como releituras – que sempre alteram minha compreensão sobre os temas desde a última leitura e Harari, ‘HomoDeus’ (2016), o livro que viso estudar e refletir nos dias que se chama de férias na atividade profissional. Já estou na página 249 de 399, lendo estudando, pensando e refletindo... (solitários risos arquétipos). Se você pensou: - ‘Este cara é louco’. Acertou.
Há um tempo eu dizia que não leio livro, que reflito livros. Hoje digo que penso e reflito partes de livros. Profissionalmente temos pouco tempo para ler livros inteiros. Por isso, muitos, não leem livros inteiros. Lemos partes de livros. Alguns capítulos. Quando lemos. Os livros que lemos por inteiro são os que nos empolgam com temáticas que, ou: precisamos saber para algum evento competitivo ou são os que nos interessam até a veia subjetiva e por isso conseguem nos assaltar para reais aprendizagens. A nova forma de publicar revistas (de muitos autores – cada um com um capítulo) chamadas de livros e a produção de artigos ‘qualis’ mudou a habilidade da leitura para algo mais raso. Não raro, fazemos apenas uma leitura superficial nos textos que olhamos e que nos interessam para estudos. Quando um Harari cai-me nas mãos e as primeiras páginas estimulam novas sinapses acontece o que eu chamo de leitura por saber-prazer-prazer-em-saber. Leio todas as linhas. É raro, mas acontece algumas vezes. Acredito que seja assim para a maioria dos profissionais da minha área, cujos afazeres profissionais limitam o tempo da espontaneidade.
Além disso, no tempo que imobilizou de agir, mas não de pensar e refletir, o que me afetou mais foi que o programa pensado com minha filha para as férias dela não se iniciou ainda. Quando a perguntei ao terceiro dia em que eu estive inativo se ela estava brava com papai ela disse: - “pai, não estou brava com você; só fiquei triste”.
Isso me faz refletir sobre como crianças têm necessidades afetivas que deslocam os adultos de suas perspectivas ocupacionais e intelectuais sobre a vida. Uma criança expressa de maneira simples, (espontânea, gosto de pensar), sobre o que é viver bem. É viver feliz. É estar com quem quer estar, mas com quem também se sente afetada/o. Não significa ficar com qualquer um. Mas com quem compartilha o que pode fazer feliz. Crianças não se satisfazem. Elas querem ser felizes, que é diferente de tudo que adultos pensam sobre felicidade. Em minha opinião – pensada e refletida –, humanos não são felizes. Estão, em alguns momentos, satisfeitos.
Mas, entre as muitas questões, talvez centenas, que provocam pensamentos que podem induzir reflexões, uma que me faço no cotidiano é como nós, humanos, sabemos como ser feliz e não seguimos a cartilha da própria vida para sermos. Traduzindo: em sala de aula, vez ou outra, surge o link que permite falar – ou pensar – sobre a felicidade. Eu, depois de promover uma sempre boa discussão, inquiro: vocês sabem por que não somos felizes? Depois de muitas assertivas e desassertivas, a discussão gira em torno do que eu penso ser uma resposta discutível: não somos felizes porque não queremos.
E por que não somos felizes?
Apesar de ser uma pergunta que não tem uma resposta simples podemos simplificar a resposta e a partir de partes desta simplificação encontrar pontos que podem ajudar compreender melhor a amplitude da reposta complexa. E aí, minha viagem, em forma de metáfora, à sala de aula:
- Você toma coca cola?
- Sim... sim... sim – raros nãos ecoam em todas as salas.
- Você ingere açúcar refinado?
Outra vez unanimidade, quase universal.
- Vocês sabem que o açúcar refinado mata mais que todas as guerras em andamento no mundo?
- Vocês sabem – como eu sei – que a coca cola é o veneno mais letal que existe quando comparado aos processos vitais que afeta ao longo do tempo?
Primeiro um silêncio que sei, fez refletir. Segundo, algumas tentativas de ampliar a reflexão que, quase sempre, não encontra espaço e tempo para salutares aprendizagens.
Depois de algumas participações, devido ao limte do tempo, complemento: tudo que eu disse a vocês serve antes para mim mesmo. Não sou feliz porque não quero. Porque sei o que devo fazer para viver mais e melhor, mas teimosamente, insisto em fazer o contrário. Lembramos – ou lembro-me – quando a vida me acena: ei menino, você não está obedecendo às leis da natureza então vou te travar para ver se você se toca.
Mas, como escrito anteriormente, a vida não é tão simples como a pensamos, como nos ensinaram ou como podemos alcançar sua compreensão. Nem sei se sabemos o que é mesmo a vida. Penso que temos uma noção, que mesmo criamos, ou melhor, que alguns criaram e os demais seguem como sendo a melhor resposta até agora formulada sobre o que seria a vida. Reflito que isto é sensato. Afinal, diante da intrínseca curiosidade humana, encontrar respostas já formuladas permite buscar outras que ainda não estão postas. O problema ocorre quando no atual momento de desenvolvimento humano percebe-se que qualquer resposta, mesmo as que mais dogmáticas se apresentam, estão perdendo o teor da perenidade e temporalidade. Nada mais vale para sempre e tudo pode ser diferente em lugares, tempos e espaços diferentes.
Mas a vida continua. Se eu quiser. Ou seria se Deus quiser? A morte, oposição da vida (assim acreditamos) não é regida por um deus, nem por Deus. Obvio que não quero dizer que seja regida por humanos. Pode não ser regida por humanos, entretanto, há muitos séculos vem sendo dirigida por humanos. A ciência médico-farmacêutica e os avanços da engenharia genética não conseguiram (ainda) evitar a finitude, mas já alteram a hora da morte para muitos humanos. Ao contrário do que se pensa: a morte não tem hora marcada. Seu relógio pode ser adiado ou mesmo adiantado. Para adiantar sua hora cada um contribui muito mais que toda ciência consegue fazer para adiá-la. Continuemos ingerindo açúcares refinados e ‘coca-colas’ que o tempo nos dirá. Ou... nos levará.