Crônica lembranças íntimas
Eu tive uma infância boa porque tive três mãe carinhosas e sensatas. Dos meus oito anos até os doze anos eu tinha liberdade para tudo porque as minhas tias não me forçavam a nada impossível e eu tinha o direito de brincar sem ninguém pisar no meu pé ou ficar me vigiando a cada instante. O alpendre da nossa casa era o lugar de preferência onde eu brincava com meus carros de pau feitos pelo meu irmão Zacarias que me queria muito bem. Depois que aprendi a ler fui deixando os meus brinquedos se seguindo o rumo dos livros levado pela tia Marica que me deu o bom exemplo da cultura e de ler sempre algo de grande valor. Meu pai me via por acaso porque ele tinha outra família e eu morava com as minhas tias e irmãs dele. A casa do meu avô era para mim um verdadeiro cenário artístico porque ali tinha tudo quanto era de encanto para mim um menino órfão e meio artista. O nosso tamarineiro era onde eu mais brincava e tocava viola e cantava repente para quem passasse em nosso lar humilde. Tínhamos também no fundo da nossa casa uma cajazeira enorme que a meninada vinha comer os seus frutos azedos e rebolar pedra nas aves canoras que a tia Josefa adorava ouví-las cantando. A nossa cajazeira dava umas duas safras durante o ano e fazia muita raiva a tia Josefa o tempo inteiro porque a meninada sempre vinha sujar o nosso terreiro. Eu tinha um carrossel de madeira que ficava debaixo da nossa velha cajazeira onde eu me divertia quase toda manhã com os meus amigos e vizinhos. A tia Marica não gostava daquele divertimento, ela queria me ver sempre lendo qualquer coisa ao invés de me ver brincando com aquela turma de meninos danados que não respeitavam nada. Eu não posso esquecer a minha infância tão boa como também a minha adolescência e sobretudo a minha juventude. Muito novo comecei a viajar com os cantadores e fazer cantoria mundo afora. Conheci todo vale jaguaribano cantando repente ao som da viola e fazendo amizade com muita gente boa. Cantei da choupana do pobre ao casarão do rico sem nunca ser repreendido por ninguém. Fiz parceria com muitos cantadores tanto bons como ruins no entanto eu respeitava todos. No universo da cantoria eu tinha muita coisa decorada e não poupava ninguém no palco do repente. Fui sempre respeitado como repentista muito lido e cuidadoso. Não voltarei mais à viola no entanto não posso esquecê-la e muito menos falar da arte que me deu o pão por mais de trinta anos.