EU FIQUEI EM RECUPERAÇÃO (ou Na fogueira)

Dois mil e dezoito, depois de mais de meio século de uma vida cheia de provas bem feitas e acertos previstos, quase zerei, me estrepei! Mudaram todas as perguntas! Fiquei em recuperação. Por favor, responda-me, então!

O silêncio supostamente respeitoso do religioso era entendimento? Era puro fingimento? Ou camuflada intolerância, que calada estava por falta de argumento?

Sensação estranha... E aquele amigo que eu nunca perdi de vista e me abraçava dizendo compreender a minha luta? Era um verdadeiro artista, ou mais um no meio de tantos fascistas?

E o juiz que defendia a honra nacional? Abandona a toga, entra para a política e torna-se para os futuros réus uma espécie de advogado melhorado... Está tudo ajuizado? “Aaah! Ele já pediu desculpas...” Está tudo perdoado... Então é isso? Só o Lula era culpado?

E o João que era de Deus? Adeus! Era todo errado? O povo que procurava cura viu sua crença ser desrespeitada e sua pureza maculada, ou será muito mais que isto? Pois, infelizmente, além das verdadeiras vítimas, outros se aproveitarão do momento para destruir a fé que é diferente da sua, em renovada Cruzada, cruel e nua.

Este ano fiquei em recuperação! Por favor, responda-me, salve-me, então!

Um candidato é mito porque diz aos gritos: “Nenhum palmo de terra pra índio! Viva o Comandante Ustra! Menos direitos para o trabalhador!” Meu Deus, como eu iria acertar? O povo escolheu esse homem para a presidência ocupar! KKKKK... Errei feio! Eu nunca iria acreditar... Proibi meus filhos de terem arma de brinquedo e vejo o futuro chefe da nação gesticulando, dizendo que as crianças precisam aprender a atirar desde cedo.

Alguns trabalhadores liberais da saúde, cavalheiros em quem eu sempre confiava e tinha na mais alta conta, mostraram no Face sua verdadeira face, onde o desrespeito à mulher aparece sem pudor nem disfarce. Ao que elas precisam se sujeitar, então? O corpo da mulher só existe para a sua satisfação? Sem contar os que criticam aqueles que estão no poder, mas recibo que é bom, não! E dizem cinicamente sorrindo: “Neste país é preciso driblar o leão!”

Estou em segunda época. No chão! Em recuperação!

E nessa comédia de horrores, a vida vai chegando nos hospitais com mulheres, sozinhas, tendo filhos pelo chão, que recebem no mesmo momento as almas daqueles que pelos corredores morrem, pois não há médicos no plantão!

Sucateada a Saúde, sucateada a Educação! Todo mundo já sabe quem são os culpados: professores que não ensinaram, só doutrinaram. Se a categoria é em sua maioria feminina, está claro! A culpa é delas, então!

Não entendi nada! Ninguém me deu as respostas! Ficarei reprovada, parada no ponteiro do relógio desta louca máquina do tempo, pois a Idade Contemporânea que eu imaginava avançada por ser tecnológica, na verdade era Matrix, ilusão de movimento, nem passara da Média, estagnada. Serei queimada! Estou, de novo, na fogueira! O mesmo inquisidor, travestido de anjo salvador, virá com tochas para queimar o que houver de conhecimento e amor:

_ Bruxa!

_ Você é feliz! Você tem o remédio, bruxa!

_ Você seduz! Confesse seus crimes!

_ Você estudou? Você lê?

_ Você pensa por si só e tem a ousadia de dizer!

_ Você tem prazer?

_ Os homens te desejam? Confesse!

_ Veja só esse seu olhar! É de quem é eternamente amada e admirada! Por quê?

_ E se outras quiserem? E se outras votarem?

_ E seus filhos?

_ E que tanto você goza ?

_ E que tanto pinta? E ainda se pinta!

_ Agora deu para escrever!... Hummm... E escrever sobre humanidade! Não há isso! Não são humanos! Eles já nasceram maus! É bíblico, aceite esta verdade!

_ E você? Estão todos na sua teia... Confesse!

_ Confesse! Pelo amor de Deus, confesse!

_ Você nasceu para brilhar!

_ Você nasceu para arder, minha desejada bruxa!

_ Você nasceu para amar, minha perigosa feiticeira!

Sou reprovada, queimada em meio a tanta dor!

Eu ardo, me decomponho e me recomponho em luz:

Chama divina, reinventada, recuperada no fogo do amor!

Stella Motta
Enviado por Stella Motta em 17/12/2018
Código do texto: T6529548
Classificação de conteúdo: seguro