SELVA DE PEDRA.

( LEMBRANÇAS )

Madrugada fria, quatro horas da manhã.

Arnaldo acordou assustado, o corpo todo dolorido, noite horrível de sono, mas ele tinha que levantar. Enquanto ele se virava de um lado para outro na cama, desejoso em tentar dormir um pouco mais, o relógio despertou, era quatro e dez da manhã, madrugada fria, Arnaldo se levantou à muito custo, corpo dolorido, irritado, sem entusiasmo nenhum.

No pequeno banheiro da sua nova casa, a única no bairro que foi possível alugar com o curto ordenado que recebia da fábrica de bolachas, ele lava o seu rosto, à água gelada, mês de frio, o corpo trêmulo. Arnaldo olhou o reflexo do seu rosto no espelho, face cansada, a aparência era de um homem de quarenta anos para mais, naquela semana ele completará trinta e três anos. As lutas da vida impôs a sua aparência o preço do tempo, as marcas de expressão revelavam um homem sofrido, de muitas lutas, de poucas e poucas vitórias. Arnaldo terminou de lavar o seu rosto, escovou os dentes, colocou o uniforme da empresa, o pano grosso e gelado fez o seu corpo estremecer, o crachá no peito, carteira no bolso.

Não havia mais tempo para fazer um café decente, embora o local onde o ônibus passa seja perto, o seu horário já estava muito apertado para ficar enrolando, no máximo daria tempo de comer alguma fruta, mas a sua fruteira estava vazia. De cara para o vento, sem nada no estômago, Arnaldo enfrentava mais um dia de trabalho, mais uma terrível segunda-feira.

Ele foi para o ponto de ônibus apressadamente, a passos largos, embora o desejo fosse de voltar para casa. Quando Arnaldo virou a primeira rua à direita, que dava acesso a avenida principal do bairro, local onde ele costumava de estar, de repente, antes de chegar a avenida, um monza escuro que vinha a toda velocidade parou bem a sua frente, impedindo que ele seguisse caminho, a porta do passageiro é aberta bruscamente, um rapaz magro e alto desce com arma em punho, os olhos vermelhos, boné virado para trás, anunciou o assalto.

- Passa o celular, vamos, vamos, rápido caralho, perdeu mano, perdeu, vai, vai, vai, a bolsa também, anda logo caralho...

Trêmulo Arnaldo deu-lhe a bolsa e o celular, ambos comprados recentemente depois de meses e meses de economia. Rapidamente o assaltante entrou no carro e saiu a toda velocidade pela avenida ultrapassando o sinal vermelho e quase causando acidentes. Ainda trêmulo, pálido, quase sem voz, Arnaldo voltou para casa, sentindo-se um derrotado, incapaz. Ele passou o resto da manhã em casa, quase ao final da tarde é que ele foi procurar uma delegacia para fazer o boletim de ocorrência.

Boletim de Ocorrência.

Histórico :

Comparece a vítima informando que na oportunidade caminhava sozinho pela via local dos fatos, quando foi surpreendido por um desconhecido que ( desembarcando - pelo lado do carona - de um monza cor preta - placas não identificadas )

Fazendo-se acreditar estar armado, anunciou o "assalto" mandando que lhe entregasse a mochila; que assim o fez e o desconhecido retornou para o veículo e evadiu-se.

Afirma que da ação delituosa não sofreu agressão física e que na mochila acondicionava apenas o aparelho celular Samsung s4.

Era a primeira vez que ele passava por uma situação daquelas, Arnaldo lembrou-se da fazenda onde foi criado, interior de Minas, natureza, silêncio, lá não havia ladrões e nem barulho, e nem armas, e nem drogas, era apenas ele e a natureza. Arnaldo chorou copiosamente, desejou voltar atrás, pedir conta do emprego e voltar para a fazenda, mas era tarde demais. O jeito era enfrentar aquela selva de pedra, e todos os perigos que se oculta nela. Era apenas mais um dia qualquer na cidade interiorana da São Paulo desvairada, cidade que nunca dorme. Está selva de pedras cheia de perigos inimagináveis a se multiplicar cada vez mais.

Essa crônica foi o modo que encontrei de ilustrar o que me ocorreu naquele ano. Escrevi essa crônica um dia depois do assalto, mudei alguns detalhes, acrescentei outros, mas, no geral, foi exatamente assim que ocorreu. Tristes e teimosas lembranças no pensamento.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 17/12/2018
Reeditado em 17/12/2018
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