Uma crônica para a minha afetividade
Acordo, passo a passo levanto com muita calma para não acordar mais ninguém da casa. Dirijo-me a cozinha em busca de café. Encho até a borda da xícara e volto ao quarto feliz como uma menina de cinco anos com a sua primeira boneca. Começo a pensar a respeito do assunto "afetividade" e não é a toa que diversas situações passam a clarear as minhas ideias. Eu geralmente sabia o que era afetividade, mas não era o suficiente para uma crônica, não me satisfazia. Minha professora de português disse-me uma vez: "Para tanto, é preciso sensibilidade" e eu ainda não estava apta a tal coisa. Algo faltava, mas eu ainda não sabia o que era. Possivelmente era emoção ou medo por não conseguir descrever. Pra ser sincera, estou aqui para ter uma conversinha contigo. Sei que uma crônica pode não ser o necessário, mas tente remendar essa história como a sua história. Vamos começar mais uma vez com uma pequenina historinha pra bebê dormir:
Era uma vez seis pessoas: Cuidado, carinho, medo, amor, fé e afetividade. Com os meus dois e poucos anos minha mãe me apresentou o cuidado, pois não queria que eu me machucasse na calçada com todos aqueles brinquedos de plástico para crianças. O carinho eu fui conhecendo por si só ao longo do tempo que passava quando alguém da família colocava um band-aid da Hello Kitty depois das vezes que eu caia de motoca na rua da minha casa. Quando eu já estava mocinha e comecei a frequentar a escolinha eu vi pela minha primeira vez o medo rebatendo no lápis ao tentar escrever nos cadernos de caligrafia. Eu mal posso me lembrar de quantas vezes pensei que jamais conseguiria escrever o número três bem redondinho como a professora demonstrava na lousa. Pra falar a verdade, mesmo criança a gente vê as outras pessoas como gigantes de flor e esperamos nos tornarmos igual a eles: Gigantes de sabedoria e floridos de sentimentos, ainda que por vez chorássemos pelos tombos um pouco maiores que os de motoca.
Daí o tempo passou, e como passou rápido, não é? Não gostamos de ser crianças, mas com um pulo viramos adolescentes e não temos mais a oportunidade de uma última aventura que quase mata nossas mães do coração, mas que com o tempo faz ela gargalhar de vontade de voltar a sentir e nos faz querer voltar apenas pra poder aproveitar mais.
Aos 12 vem a adolescência, como quem não quisesse nada, somente dormir, ouvir música, sair com os amigos, passar o dia todo no Instagram ou Facebook. A vida na adolescência fica bem pesada quanto dois quilos de açúcar em cada lado numa bicicleta, meu caro leitor. Mas você já parou pra pensar que um lado sempre parece estar mais pesado que o outro? À esquerda a bolsa de açúcar parece estar mais leve, pois só tem aquilo que gostamos de fazer. À direita tem os nossos deveres; pesadas obrigações das quais queríamos que caíssem sem querer do nosso braço ao longo da jornada. Mas quando pensamos em desistir, o amor chega. Nas passagens menos prováveis da vida vemos ele se aproximar de mansinho como uma onda que traz as conchas à areia da praia. Então o amor nos devolve o sorriso, nos dá força de vontade pra continuar carregando nossas bolsas de açúcar e nos encoraja a não pensar nelas, e sim olhar pelo que há ao nosso redor durante nossa viagem por aqui.
O amor fica, estende o braço, mas não leva você na garupa. Porque o amor quer lhe mostrar o mundo, mas com os seus olhos, não com os dele. E daí tudo parece tão simples, tão mais bonito! De repente o seu coração floresce e você já nem liga pra suas espinhas, pro seus dedinhos do pé que são uns maiores que os outros. Você quer viver como se realmente não existisse amanhã.
É a partir do amor que você experimenta o doce da vida mesmo que com os temperos salgados que ela tem. Repentinamente o amor lhe traz a fé, porque o amor quer o bem e não importa qual bem, desde que você esteja bem. O amor te apoia, te leva diversas vezes a visitar a igreja, lhe compra uma correntinha de cruz e lhe ensina a orar. Porquanto o amor nos deixa espontânea escolha e quando menos espera a vê de joelhos agradecendo pelo bem-estar.
Pouco a pouco a vida passa, como uma viagem de ônibus, na qual nós somos passageiros aguardando nosso ponto de chegada. Em tal caso, o amor nos apresenta e nos concede a mão a afetividade, que nos pede em casamento. Nós dizemos: "Sim, sim" desesperadas e nos jogamos em direção ao colo dela. Ela, na sua mansidão de suavidade põe o anel delicadamente em nossa mão e nos jura cuidado, carinho, amor e tudo de si, ainda que os medos tentem lhe fazê-la jogar no chão as bolsas de açúcar que dobram seu peso. Portanto, aos 14 e poucos anos, casada com a afetividade imaginando aonde nós poderíamos chegar, me enxergo exatamente de onde comecei, com a xícara na mão embora o café estivesse acabando. Volto à cozinha como onça a procura da caça e instantaneamente me surpreendo com o grito que minha mente me presenteou: Afetividade era o cuidado e carinho da minha mãe, era o medo apesar de ser visto por ruim, era somente um sinal de que estávamos perto de nossos sonhos. Afetividade estava disfarçada de amor e de fé. Quando conhecemos os sentimentos e finalmente conseguimos equilibrá-los na nossa bicicleta da vida, então casamos independente de ser aos 15 anos.
À afetividade eu jurei aguentar todas as nossas bolsas de açúcar e em meio ao mar de confusão que está essa crônica, eu só almejo que ela esteja comigo ainda que eu não possa vê-la.
Eu geralmente sabia o que era afetividade e ao decorrer desse relato reparei no véu longo e branco decorado de suas emoções um pouco embaçadas com o vapor do café.