Quando a competição deteriora o diálogo

Não nego que a competição é uma atividade própria até mesmo de outros animais, como leões, tigres, chimpanzés e demais. A disputa com membros da mesma espécie e com outras é característica do comportamento destes diversos bichos, entre os quais se inclui seres humanos.

Recursos são escassos, muitos seriam enviáveis e insuficientes caso todos fossem igualmente usufruir dos mesmos. Não é possível que todos sejam médicos, executivos, patrões, professores, etc. Não é possível que todos tenham um elevado padrão de consumo. A competição justa pode trazer para estes cargos os mais preparados e dispostos as exigências específicas destas profissões.

A competição injusta pode igualmente colocar nestes cargos os mais malandros, mal intencionados e pouco preparados para estes cargos. Os que trapaceiam, sabotam ou se valem de bajulações e indicações de "chegados" são bons exemplos de uma competição injusta que pode colocar maus profissionais no lugar dos bons.

Temos outro tipo de competição cujo o mérito, justo ou não, deixo neste momento para o julgamento de cada um. É aquele em que o indivíduo se encontra mais preparado do que o outro por ter sido favorecido por recursos educacionais e culturais de suas famílias.

Aquele que não dispõe de recursos tais como uma boa educação e acesso a livros, viagens e visitas a museus e cidades já começa a disputa em desvantagem. Muitos mal possuem condições de se inscrever nesta disputa, de encontrar as oportunidades e de saber como competir por elas.

Após considerar estes casos, é possível ir para uma outra análise. O que dizer daquele sujeito que compete o tempo todo? Pude observar nos diversos ambientes em que trabalhei e convivi aquele tipo que percebe mesmo em conversas triviais uma chance de sempre estar com mais razão do que o outro.

Pode se imaginar como é tentar conversar com aqueles que encaram uma conversa que se tenha com ele, por trivialidades ou outros motivos, como um desafio pessoal ou oportunidade de estar por cima (de provar constantemente para si e para quem quer que seja sua capacidade). Ou pior ainda, de tomar as opiniões do outro como um desafio à sua capacidade de ter uma opinião ainda melhor.

É possível observar que tais conversas quando não se descambam para esta competição, que não perdoa nem as trivialidades, se alternam com deboches e conversas escrachadas. É uma redução dos canais de comunicação, das formas de diálogo que poderiam ser mais construtivas, às formas mais predatórias.

É uma característica marcante destas conversas a polêmica forçada, a tentativa de deturpar o sentido e descontextualização do que outro falou no sentido de desqualificá-lo. Neste terreno, o que vale é defender a todo custo a própria opinião, não mudar de ideia, e impedir que a visão do outro seja apresentada como aceitável.

São conversas que não visam realmente conhecer o que o outro tem a oferecer ou questionar, seus significados e referências que lhe dão sentido. Pelo contrário, buscam evitar que esta coerência seja reconhecida, para que somente a sua visão de mundo prevaleça. Conversar assim é como evitar a todo custo que a comunicação permita compartilhar ideias em mão dupla.

Há aqueles que de tão ensimesmados mal conseguem falar de outra coisas que não seja de si mesmo. Do quanto ganha, do que tem, do que faz e dos sucessos que teve. As conversas iniciadas por outros são vistas por eles como meras chances de iniciar o monólogo com plateia.

A conversa se perde, o diálogo não se desenvolve por que se fala mais pra si mesmo do que para o outro. Não importa os motivos que levaram o outro a iniciar a conversa ou se o foco do assunto se perdeu, mas sim que o momento esta sendo aproveitado como oportunidade para se reafirmar para si mesmo e para os demais.

A competição estimula o aperfeiçoamento das pessoas, busca por aprendizagens, melhorias e eficiências, em que o consumidor se beneficia muito, assim como as empresas. Porém, de forma irrefletida e banalizada, pode levar a pessoas a se fecharem em suas próprias ideias e "mundinhos" prejudicando inclusive seu aperfeiçoamento profissional e pessoal.

É possível uma conversa onde a uma boa ideia se soma outra boa ideia. Onde é possível aceitar que o outro possa ter uma ideia melhor que a sua e isto não representar mal algum. Da mesma forma, em um diálogo produtivo, é possível se enriquecer com outras formas de pensar, exemplos e vivências que pessoalmente não teve ou jamais teria.

É possível fazer de uma conversa uma forma de aprender e ensinar buscando a reciprocidade. Contanto que eu aceite que o outro é capaz de contribuir para o meu entendimento do mundo e que eu possa contribuir para o crescimento do outro da mesma forma.

Os debates e conversas podem ir muito além desta competição se tivermos abertura para conhecer outros pontos de vista. De entender que também são necessários e enriquecedores e não uma ameaça ao meu mundo, minha inteligência, meu poder, minha posição.

Que tal o exercício de aceitar que o outros pontos de vista existem? Que são possíveis diversas perspectivas? Que outras relações, além da competição, são possíveis com o outro? Que o diálogo também pode te tornar ainda mais inteligente e preparado para os desafios do mundo do que a competição irrefletida e banalizada.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 17/12/2018
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