LUZ E SOMBRA

Eu me lembro. Foi há cinquenta anos, em 1968. 13 de dezembro. A assinatura do AI-5, com o fechamento do Congresso Nacional, instalação da censura prévia, suspensão de direitos políticos, cassação de mandatos e do habeas corpus, mergulhou o país numa noite de trevas por no mínimo dez anos. Para Zuenir Ventura foi O ANO QUE NÃO TERMINOU.

Mas, em compensação, na mesma época, foi lançado o filme 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, um marco na arte cinematográfica. Felizmente, sob esse aspecto 1968 foi também o ano que não terminou.

Estudante e cinéfilo, vivenciei os dois acontecimentos. Um, na pele; o outro, com os olhos pregados na tela do cinema Art Palácio. Neste caso, magia pura. A saga do homem, desde os primórdios até a viagem a Júpiter, ao som de Danúbio Azul, de Johann Strauss.

Juro que, naquele dia, eu viajei com os dois astronautas a bordo da nave espacial Discovery. Eu estava lá. Também estava o supercomputador HAL 9000, a máquina inteligente que me levou a escrever estas linhas hoje, para sufocar a lembrança do AI-5.

Mas vou explicar melhor. Imagine o leitor mais jovem que, em 1968, o ser humano ainda não havia posto os pés na lua, mas já era capaz de projetar a existência de um engenho com capacidade igual ou superior à do homem para realizar, com maior precisão, as tarefas de seu criador. Inteligência artificial de alto nível.

Meio século depois, isso não é mais ficção. O HAL 9000 (evidentemente com outros nomes) opera em todas as partes do mundo, fabricando carros, construindo edifícios e realizando delicadas cirurgias. Chegou até – e este é outro motivo por que rabisco estas linhas – ao nosso Supremo Tribunal Federal.

Sim. O STF já tem o seu HAL 9000. No caso, o VICTOR, em homenagem ao ministro Victor Nunes Leal, cassado pelo AI-5 (olha ele aí de novo). Segundo os técnicos da Corte, a partir de 2019 VICTOR será capaz de fazer em um minuto o que exigiria uma hora dos ministros e seus assessores, notadamente na tarefa de identificar jurisprudência, despachar processos repetitivos e que tenham repercussão geral. VICTOR, na prática, será o décimo segundo ministro. O limpa-trilhos. Bem-vindo seja!

A propósito, pedindo desculpa pela insolência, eu sugiro aos outros ministros, de carne e osso, que aproveitem esse recesso de fim de ano para ver ou rever a obra de Stanley Kubrick. Pode ser uma experiência pedagógica. Isto porque, no filme, chega um momento em que o robô se insurge contra os astronautas que o marginalizam e tenta assumir o controle da nave.

O precedente me soa preocupante. Já pensou se, lá na frente, quando assistir ao destemperado bate-boca entre algumas Excelências ou canalizar a insatisfação do povo com certas decisões, VICTOR desabafar em plena sessão plenária algo parecido com “eu tenho vergonha do STF”?

Aí já não é mais a voz de um impertinente advogado dentro do avião. É um colega de “toga”. É o décimo segundo ministro. Vão mandar prendê-lo também?

Com essa pergunta no ar, eu desejo a todos (e ao VICTOR) um feliz 2019.

De minha parte, acho que vou reler 1968, O ANO QUE NÃO TERMINOU. Faz sentido.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 14/12/2018
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