A minha primeira (e última) comunhão

Nas aulas de catequese para primeira comunhão na Escola Brazilino Viegas, Alagoinhas, Bahia, as catequistas diziam que depois de receber a hóstia sagrada seríamos ungidos com a graça divina e nosso corpo seria abraçado pelo Espírito Santo e flutuaríamos nas nuvens como um Zepelim prateado. Mas, para isso acontecer, teríamos que contar todos os nossos pecados ao padre e nos mostrarmos arrependidos pelos atos praticados contra Deus.

No dia da confissão, amarelei. Em vez do confessionário, o padre colocou uma cadeira no meio da igreja e nos mandou fazer fila. Encarar o padre, tête-à-tête, e contar as safadezas que fazia e ainda mostrar arrependimento, seria um verdadeiro ato de bravura e coragem. Decididamente, não nasci para ser aquele herói que toda mãe católica necessita. Pensei em fugir, mas a professora me segurou pelo braço e me deu um beliscão.

Ao chegar a minha vez de subir no cadafalso, o padre me olhou com cara de sádico e disse com cara de inquisidor, antegozando o poder da tortura:

- Conte os seus pecados! - engasguei com as palavras. Tossi. Olhei para um lado e outro em busca de ajuda. Chapolim Colorado não era desse tempo. Falei num fio de voz:

- Meus pecados?! Xinguei o meu irmão novo, roubei o doce de Carlinhos, roubei laranja do sítio do Major...

- Que mais?

- Mais?! Roubei umas bolas de gude de Dilto e desobedeci à minha mãe...

Que pecado ele esperava encontrar em um garoto de onze anos que mal havia descoberto a masturbação e nem fazia ideia de que era pecado? Por via das dúvidas, soneguei esta informação. Não confiava na discrição do padre e certamente ele iria contar para a minha mãe.

Na hora da comunhão, coração acelerado para receber o corpo de Cristo e ser abduzido pelo Espírito Santo e sair da igreja flutuando, não vi nada acontecer. Vi, sim, a cara de agonia de Crispim. Ele cuspia na mão e ficava olhando, apavorado. Ele me pediu para olhar se havia sangue na sua boca. Não. Não havia. Por quê? A catequista havia lhe dito que se ele mastigasse a hóstia, a boca ia ficar cheia de sangue de Jesus Cristo. E ele mastigou.

Depois da comunhão tive a impressão que estava mais pesado, mais lento. Reclamei à professora, exigindo minha viagem esotérica. Ela encaminhou a minha reclamação ao padre. Ele me chamou à sacristia e, mal me viu, esbravejou:

- Você é um possuído! Você não se arrependeu dos pecados! Se arrependa, se arrependa, seu cretino! – e me deu um cachação que caí de cara no altar.

As duas semanas que passei internado no hospital não sei se foi por causa disso, se foi pela surra que levei de minha mãe por não me arrepender dos pecados ou se foram os dois juntos.

Sei apenas que só tinha onze anos.