Meu cachorro
é um amor
1. Todos ficamos, sem hesitações, com o vira-lata Manchinha. Esse pobre cão foi torturado, envenenado e morto em um supermercado de Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Segundo os jornais, Manchinha, circulava, todos os dias, faminto, pelos corredores do hipermercado Carrefour. Alimentava-se com os restos de comida que lhe davam os empregados da poderosa loja que, a rigor, não pode ser diretamente responsabilizada pelo que aconteceu com o cãozinho paulista.
2. Não há notícias de que Manchinha tenha agredido pessoas que frequentam o Carrefour de Osasco. Circulava, pacificamente, um latidozinho aqui outro ali, por entre os clientes, a procura, diríamos, de um pedaço de pão; ou, quem sabe, de um pouco de compreensão e carinho.
Nem por isso, mereceu a atenção dos clientes do supermercado. Teriam pedido à administração da loja seu imediato alijamento dos corredores do Carrefour. Por um segurança sacana foi expulso do supermercado, após ser, por esse sujeito, violentamente agredido.Não resistindo aos maltratos, morreu e virou manchete em todos os jornais do Brasil do dia 8 de dezembro de 2018.
3. O constrangimento foi geral e imediato. A consternação foi imensa. Lamentaram a morte do inditoso Manchinha os apaixonados pelos cães de raça e pelos amigos dos cachorros pé-duros. Houve até quem pedisse a prisão do segurança algoz.
E eu pergunto: será que o Manchinha teria tido um fim tão doloroso se, ao invés de um vira-lata, fosse um buldogue, um pastor alemão, um boxer, um dober ou um poodle de pelinhos macios? Creio que não. Logo teria aparecido um cidadão ou uma madame para dele se apiedar e, em pouco tempo, sair proclamando aos quatro ventos: Meu cachorro é um amor!
4. Vou repetir aqui o que se diz, com muita frequência, ou seja, que o cachorro é o melhor amigo do homem; e é. Até o poeta Vinicius de Moraes, num chiste carinhoso, costumava afirmar, com toda graça, que "o uísque é o melhor amigo do homem, ele é o cachorro engarrafado".
Sabe-se, por exemplo, que dois saudosos escritores brasileiros tiveram seus cães de estimação: Graciliano Ramos, a Baleia, e Carlos Heitor Cony, a cadela Mila, que, com sua morte, deixou o cronista de "O ato e o fato" quase dois anos sem escrever.
5. Poucos conhecem a comovente história dos "Cães de Canudos", contada, em belíssima crônica, por Olavo Bilac (1865-1918) e publicada no "Estado de São Paulo" que circulou no dia 26 de novembro de 1897.
Conto, neste pequeno espaço, o que disse Bilac sobre esses cães, fato acontecido durante a "Guerra de Canudos", onde pontificou a figura "carismática" do cearense Antônio Conselheiro. É uma síntese, claro.
6. No conflagrado arraial de Canudos, interior da Bahia, refúgio do Conselheiro, "havia um grande número de cães". Cada morador tinha seu cachorro, "companheiro fiel", na guarda e nas caçadas. Quando Canudos foi sitiada, os cães e seus donos ficaram encurralados.
Os cães só deixaram seus donos "quando o bombardeio principiou a derrubar as casas". Os cachorros, abalados, "fugiram da metralha" e, desnorteados, passaram a andar pelo mato, "famintos e aturdidos, vagabundos, chorando os donos ausentes".
7. "Depois, quando cessou o clamor da artilharia", os cães voltaram ao arraial destruído, "magros, descarnados, ansiosos, de focinho no chão, pelas ruas desertas da cidadela, cheirando o sangue empoçado, uivando melancolicamente na solidão e no silêncio das ruínas".
Diz a crônica do poeta das estrelas que um oficial, que lutou na guerra, revelou a um jornal da Bahia que viu muitos cachorros "empenhados em cavar a terra, em descobrir os cadáveres podres, em farejá-los longamente, procurando descobrir os donos, os antigos companheiros das caçadas..."
8. Ah se eu pudesse mandar a crônica do Bilac, sobre os cães de Canudos para o segurança que matou o Manchinha! Posso garantir que ele se arrependeria do que fez com o indefeso cão do Carrefour.
E para completar, acompanhada desta conhecida frase do poeta Belmiro Braga (1872-1937): "Se entre amigos encontrei cachorros, entre cachorros encontrei-te, amigo".
Au! Au! Salve!
é um amor
1. Todos ficamos, sem hesitações, com o vira-lata Manchinha. Esse pobre cão foi torturado, envenenado e morto em um supermercado de Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Segundo os jornais, Manchinha, circulava, todos os dias, faminto, pelos corredores do hipermercado Carrefour. Alimentava-se com os restos de comida que lhe davam os empregados da poderosa loja que, a rigor, não pode ser diretamente responsabilizada pelo que aconteceu com o cãozinho paulista.
2. Não há notícias de que Manchinha tenha agredido pessoas que frequentam o Carrefour de Osasco. Circulava, pacificamente, um latidozinho aqui outro ali, por entre os clientes, a procura, diríamos, de um pedaço de pão; ou, quem sabe, de um pouco de compreensão e carinho.
Nem por isso, mereceu a atenção dos clientes do supermercado. Teriam pedido à administração da loja seu imediato alijamento dos corredores do Carrefour. Por um segurança sacana foi expulso do supermercado, após ser, por esse sujeito, violentamente agredido.Não resistindo aos maltratos, morreu e virou manchete em todos os jornais do Brasil do dia 8 de dezembro de 2018.
3. O constrangimento foi geral e imediato. A consternação foi imensa. Lamentaram a morte do inditoso Manchinha os apaixonados pelos cães de raça e pelos amigos dos cachorros pé-duros. Houve até quem pedisse a prisão do segurança algoz.
E eu pergunto: será que o Manchinha teria tido um fim tão doloroso se, ao invés de um vira-lata, fosse um buldogue, um pastor alemão, um boxer, um dober ou um poodle de pelinhos macios? Creio que não. Logo teria aparecido um cidadão ou uma madame para dele se apiedar e, em pouco tempo, sair proclamando aos quatro ventos: Meu cachorro é um amor!
4. Vou repetir aqui o que se diz, com muita frequência, ou seja, que o cachorro é o melhor amigo do homem; e é. Até o poeta Vinicius de Moraes, num chiste carinhoso, costumava afirmar, com toda graça, que "o uísque é o melhor amigo do homem, ele é o cachorro engarrafado".
Sabe-se, por exemplo, que dois saudosos escritores brasileiros tiveram seus cães de estimação: Graciliano Ramos, a Baleia, e Carlos Heitor Cony, a cadela Mila, que, com sua morte, deixou o cronista de "O ato e o fato" quase dois anos sem escrever.
5. Poucos conhecem a comovente história dos "Cães de Canudos", contada, em belíssima crônica, por Olavo Bilac (1865-1918) e publicada no "Estado de São Paulo" que circulou no dia 26 de novembro de 1897.
Conto, neste pequeno espaço, o que disse Bilac sobre esses cães, fato acontecido durante a "Guerra de Canudos", onde pontificou a figura "carismática" do cearense Antônio Conselheiro. É uma síntese, claro.
6. No conflagrado arraial de Canudos, interior da Bahia, refúgio do Conselheiro, "havia um grande número de cães". Cada morador tinha seu cachorro, "companheiro fiel", na guarda e nas caçadas. Quando Canudos foi sitiada, os cães e seus donos ficaram encurralados.
Os cães só deixaram seus donos "quando o bombardeio principiou a derrubar as casas". Os cachorros, abalados, "fugiram da metralha" e, desnorteados, passaram a andar pelo mato, "famintos e aturdidos, vagabundos, chorando os donos ausentes".
7. "Depois, quando cessou o clamor da artilharia", os cães voltaram ao arraial destruído, "magros, descarnados, ansiosos, de focinho no chão, pelas ruas desertas da cidadela, cheirando o sangue empoçado, uivando melancolicamente na solidão e no silêncio das ruínas".
Diz a crônica do poeta das estrelas que um oficial, que lutou na guerra, revelou a um jornal da Bahia que viu muitos cachorros "empenhados em cavar a terra, em descobrir os cadáveres podres, em farejá-los longamente, procurando descobrir os donos, os antigos companheiros das caçadas..."
8. Ah se eu pudesse mandar a crônica do Bilac, sobre os cães de Canudos para o segurança que matou o Manchinha! Posso garantir que ele se arrependeria do que fez com o indefeso cão do Carrefour.
E para completar, acompanhada desta conhecida frase do poeta Belmiro Braga (1872-1937): "Se entre amigos encontrei cachorros, entre cachorros encontrei-te, amigo".
Au! Au! Salve!