Fincado nos dicionários

Há poucos dias, numa conversa de bar, assistida por este narrador, um amigo convidou outro a uma viagem pelo Brasil; iriam com as famílias e se deliciariam com as praias do Nordeste. O convidado declinou do convite, e o amigo, amistosamente, disse que não era surpresa; outras negativas precedentes faziam antever a resposta daquele que 'era mesmo um fincado'. O interlocutor, infenso a viagens, defendeu-se e ainda citou o nosso grande poeta Drummond: 'Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa. /A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro / e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente'. Era evidente que, para ele, Europa e Nordeste se equivaliam na balança das viagens. Não sei se a resposta foi para defender-se especialmente da adjetivação, pois, como relatei, a fala era amena, cordial. Apenas o diálogo do sedentário contra o viageiro; tudo regado a risos.

Ouvi, entretanto, naquele ‘fincado’ algo de pejorativo, conotação que, acredito, seja percebida por eventuais leitores deste relato. Sou um amante dos dicionários, e tempos houve em que os folheava e parava só para ler e admirar algumas palavras, as quais jamais ouvira, ouviria ou usaria nesta curta vida. Acho, mesmo, que a escola deveria – lá com suas técnicas e motivações – insistir para que as crianças se habituassem a pesquisar o sentido das palavras e percebessem que elas têm vida e refletem muito de nossas vidas. Penso até que o Luciano Huck, em vez de fazer o Soletrando, poderia idealizar um Significando, oportunidade para que a garotada viajasse no mundo dos significados. Seria uma aventura muito mais proveitosa do que aquela de sofrer com letras. Aprender ortografia poderia ser até um efeito colateral do estudo da semântica.

Mas falava eu daquele sentido pejorativo da palavra fincado. Não custava visitar alguns dicionários. Fui ao Aurélio, ao Houaiss, ao Aulete... Em todos eles, aparece a ideia de ‘arraigado’, ‘enraizado’, mas sem nenhuma particularidade depreciativa. Em nenhum deles, encontrei o que esperava, qual seja, aquela abreviatura de pejorativo (pej.), seguida de algo como ‘diz-se de alguém que se torna sem perspectivas em razão de seu excessivo recolhimento’. Desculpem-me a singela tentativa de dicionarista frustrado.

A verdade é que os dicionários nem sempre captam todas as sutilezas do idioma, sobretudo na modalidade falada, que é a grande matriz da mudança linguística. Daí a necessidade de eles estarem sempre se renovando para registrar o dinamismo da língua.