Era apenas um homem comum
Era apenas um homem comum. Não sabia se ia, se ficava, se ia ou fica no mesmo lugar.
Era apenas um homem com os mesmos hábitos diários: acordava, olhava-se no espelho, depois passava a vista pela vida da janela do seu quarto. Calçaca a bota e botava a calça para se sentir mais seguro. Depois não sabia se ia, se ficava, se ia ou ficava no mesmo lugar.
O homem comum pensava por instantes e tantas coisas ao mesmo tempo vinham em seus pensamentos que o deixavam atordoado. Pensava no ontem, quando ainda era um menino e gostava de atirar pedras no quintal da vizinha para derrubar as mangas, ou quando gastava tempo fazendo pipas no quintal de casa, depois o tempo que perdia para fazê-las voar. Agora não sabia mais de nada, não sabia se ia, se ficava ou se ia ou ficava no mesmo lugar.
Era apenas um homem comum de hábitos rotineiros. Vestia a camisa e ficava a alisar a manga curta, depois ficava a marcar o tempo contando os tijolos do muro da frente que ainda não era rebocado. O homem comum esquecia seu próprio nome e gostava de se reinventar, dava asas a sua imaginação e acabava saindo de si para ser outras pessoas. Na maioria das vezes, ele era um aviador só para ter o gosto de poder voar pelo céu infinito e experimentar a vida das alturas, livre, de cima de tudo e mergulhado na imensidão maior de todos os mundos. Ele fechava os olhos e sentia o poder nas palmas de suas mãos. Naquele momento, nos instantes de voos, ele só sabia o caminho da ida, a volta era sempre uma tortura para si, não queria deixar de ser aviador para ser ele mesmo, trancado dentro de seu quarto, impossibilitado de admirar o azul do infinito ao seu redor, mas depois esquecia de tudo e não sabia se ia, se ficava, se ia ou ficava no mesmo lugar.
Certo dia o homem comum viu lá do seu quarto, na árvore de frente, um passarinho produzindo seu próprio ninho. Aquilo chamou a sua atenção. Parou, olhou espantado, abriu a janela e ficou ali por longo tempo. Colocou a cabeça para fora, não deixava os olhos piscar por nada, não queria perder nenhum movimento. O homem comum quis ser pássaro por instantes, fazer um ninho, mostrar utilidade, desenhar seu próprio voo, bater asas enormes e bailar no vento, depois o pensamento se foi e apenas a saudade de ontem o fazia sentir frio, muito frio. Sentiu saudade do tempo em que havia crescido, já não era mais um menino, era um homem feito, obrigado a ser responsável pelas suas próprias ações. Nesse tempo, não tinha mais tempo de confeccionar pipas, estava muito ocupado em tecer sua própria existência. Era apenas mais um, simplesmente sim, mais um na fila de espera da vida. Olhava-se pela sombra de si e via um outro rosto, um outro ele, um mundo de cobranças que ia, bruscamente, afastando-o dele mesmo e dando espaço a um ser cheio de incertezas e novas descobertas e nesse novo caminho, não sabia se ia, se ficava, se ia ou se ficava no mesmo lugar.
No mesmo lugar, o homem comum sentia que mais de um quarto do tempo de sua vida já havia passado. As marcas do rosto já não eram as mesmas marcas de quando ainda era um menino ou fora obrigado a crescer. No tempo de agora, o muro de frente da sua janela estava mais largado, os tijolos pintados e a árvore tão seca que os pássaros não mais a procurava para fazer ninho. Que houvera contigo? Já não ouvia mais como antes o zumbido do vento ou mesmo enxergava o céu com a mesma intensidade quando soltava suas pipas. Sentiu vontade de molhar o rosto, a sede da vida o fazia mastigar um desgosto quente e amargo demais. Quem era afinal de contas, além de um homem comum? Não sabia, apenas sentiu uma gota de alguma coisa salpicar seu olhar... Fechou a janela, parou de olhar, fechou a cortina, voltou para casa e no escuro do quarto, o homem comum não sabia se ia, se ficava ou se ia ou ficava no mesmo lugar.
Marcus Vinicius