Só queria estar ali
É o dia do meu aniversário e eu só queria estar ali, com meus três anos e meu avô arrumando a alça da bolsinha que acompanhava o meu vestido de gravatinha. Ganhei uma boneca especial, era uma boneca, não como as outras, mas sim a boneca que me acompanharia por toda a minha infância, meu avô foi quem me deu.
Eu só queria estar ali vendo minha avó e minha mãe organizando a festinha com bolo de palhaço, docinhos e pão com carne maluca! Esperar meus padrinhos com sua câmera fotográfica, meus primos e as crianças da rua era de uma ansiedade inebriante. Era o dia de brincar até cair em sono profundo nos braços da minha mãe ou do meu pai, não sei, pois nunca me lembro do fim deste dia. Brincar de correr era o legal, mas o mais legal mesmo era tirar as fotos atrás do bolo. Comer o pão que minha avó fazia era uma delícia! Era pura fantasia me esconder em casa para abrir os presentes e descobrir as panelinhas ganhas da tia Terezinha.
Ah, meu avô! E ele fazia aniversário junto comigo, dizia que eu tinha a idade dele com toda a alegria. Foram anos e anos de bolos lado a lado, fotos lado a lado. Sempre o melhor presente! Eu só queria estar ali e nada mais.
Eu fazia aniversário junto com meu avô e achava que era ele quem fazia comigo. Era algo tão fascinante que nunca imaginei que acabaria. Ficando mais velha, me estremecia só de pensar que poderia chegar o dia de um fim. Propositalmente, porém mais estúpida do que poderia ser em qualquer outro momento, fui afastando as comemorações do meu dia e até procurando não me apegar à ideia de que estávamos juntos... Até o último dia, meus trinta anos! Seus oitenta e três!
Foi a última vez em que estivemos juntos por telefone a uma distância de mil quilômetros, eu sabia que era a última vez. A cada ano que chega, a saudade aumenta porque sou seu coração, e ele o meu. Agora, sou uma e, ele alma, mas que também queria estar ali. Ali, bem no início de nossas vidas, arrumando a alcinha da bolsinha do meu vestido de gravatinha.