VIDA DE PEÃO

Passava o tempo todo trabalhando, não tinha tempo ruim, não gastava com nada, minhas latas de leite Ninho aumentavam como bode. Eu tinha um grande problema, que muito me envergonhava, algumas pessoas descobriam e disfarçavam com pena ou constrangidos com a situação, mas o que acontecia era que eu (o maior trabalhador do mundo) não sabia ler, isso mesmo, escrevia meu nome como se fosse um desenho, e cada vez desenhava melhor.Era uma dor no meu peito sem fim, analfabeto de pai e mãe sim senhor, sem nenhum louvor, e muito me deixava triste, em compensação (meu tio Lele me ensinou a lei da compensação, falava para mim, se seu pai levar chifre ele é corno, num é? em compensação você é filho da puta) essa maldita regra me mantinha alegre, pois eu era muito bom com números. Vejam que compensação medonha, eu sem ler uma vogal e entendia tudo de números, sabia somar, dividir, multiplicar e diminuir tudo de cabeça, e ia mais longe ainda, sabia frações (uma quarta de milho), medidas de distancias como braças e léguas, números decimais e toda sorte de aritmética aplicada à vida, cheguei ao absurdo de entender de centímetros e metros, de escalas e sabia qualquer distancia numa planta baixa, somente utilizando uma régua com escalas. Isso muito me ajudava no trabalho, alterando para mais um pouco meus rendimentos, mas o que veio mesmo a determinar minha ascensão financeira foi o famigerado juros, quando a menina do escritório me falou dos juros que a empresas gastava com o atraso da obra, eu achei a palavra mais linda do mundo - juros,juros -ficava pensando a noite toda. Outra palavra que eu também apreendi e que gostei muito foi inflação, a inflação era o dragão na foto com São Jorge (unica foto la na sala da minha casa), era cruel com o trabalhador, a inflação galopante é amante do empresario e madrasta do trabalhador, outra coisa que apreendi e passei a observar no canteiro de obra. Observei também foi a irresponsabilidade do trabalhador da construção, chegando ao ponto de gastar todo a quinzena só com uma farra, e com as mulheres, peão adora mulheres galinhas e gastam tudo com elas. Foi com esse binômio, juros e inflação, com a minha coragem e disposição para brigas( outro dia peguei o valentão da obra, amarei uma corda no meu braço, mandei ele amarar no braço dele,dei uma faca para ele e peguei minha peixeira, falei pra ele - é assim que homens resolvem seus problemas na minha terra, ele não só abriu do desafio como passou a me respeitar mais), pois com essas características, passei a emprestar dinheiro a juros, e em seis meses, minhas latas de Leite Ninho tinham virado camburões de 250 litros.

Fred Coelho
Enviado por Fred Coelho em 08/12/2018
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