TREM II

A viagem prosseguia, Temão já tinha ido umas mil vezes ao banheiro, eu somente uma, tinha medo de cair naquele buraco que levava as coisas até o chão, além do mais o banheiro ficava no início do outro vagão, tínhamos que passar pela emenda, era perigosa (dizia mamãe ). A janela do trem era imensa, Temão já tinha levado unas três casetadas para não se empendurar, eu mais cauteloso ficava só observando as paissagens, eram ruricolas trabalhando no roçado, as coivaras preparadas para serem queimadas as 16:00 h, jumentos, vacas, açudes, barreiros e pinguelas. Era uma verdadeira aula de geografia nordestina. De longe avistava uma casa, bem cedo, o sol pratiava o branco da cal, e de dentro saía uma fumaça, como anunciando o novo dia. Mulheres com vassouras feitas de cipós variam os terreiros, observadas por cachorros, que ainda estavam deitados. Ficava pensando --qual seria o nome dele? Acho que baleia, ou quem sabe Joli. Devia ser cheio de carrapatos e com certeza se alimentava de preás. Ai aparecia um homem grande, fardado com um chapéu engraçado, não parecia ser um militar, mas que metia medo metia, eu me socava debaixo da minha mãe, e o homem gritava: --próxima estação, Baturité, próxima estação Baturité, por favor bilhetes na mão. Ele saía capando os bilhetes das pessoas ( eu pensava, pois usava um instrumento igual ao de capar bode la na fazenda), toda estação era a mesma coisa, sempre furando o bilhetes da negrada. E se o caboco não tivesse passagem? ( ficava eu pensando), ele jogava o clandestino pela janela, com certeza. A estação de Baturité era linda, bem maior que todas, com muita vegetação rodiando-a, ai aparecia uvas, eu não conhecia uvas, pareciam pitombas verdes, eram deliciosas, mamãe falava que era da Serra, pois uvas só produziriam em climas frios. Eu gostaria muito de conhecer climas frios, deveria ser uma coisa muito legal, me lembrava de neve e do Natal. As uvas vinhas em cestinhas lindas, que eu guardava para colocar meus bichos de ossos de panelada que compunham minha Fazenda imaginária. Também aparecia doce de leite, mamãe logo vetava, Timão ia se cagar todo, ela não queria ter mais trabalho com o pestinha.

Fred Coelho
Enviado por Fred Coelho em 08/12/2018
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