A bússola e a biruta
O que é a bússola?
O que é a biruta?
A bússola é um instrumento que indica o norte, sempre (caso não esteja danificado, claro), e orienta qualquer pessoa que almeja chegar a um destino, não importa em que direção ele se encontre. E a biruta? A biruta é um instrumento que aponta para a direção para a qual os ventos sopram; os ventos são inconstantes, imprevisíveis, não servem, embora muitas pessoas deles se sirvam, de orientação. A biruta não é um orientador confiável. A bússola, sim, é.
Uma pessoa deseja seguir rumo norte? Consultando a bússola, que aponta o norte, chegará ao seu destino. Uma pessoa deseja seguir rumo sul? Consultando a bússola, que aponta o norte, conhecerá o norte, e, conhecendo-se o norte, conhecerá o sul. Uma pessoa deseja seguir rumo leste? Consultando a bússola, que aponta o norte, conhecerá o norte, e, conhecendo-se o norte, conhecerá o leste. Uma pessoa deseja seguir rumo noroeste? Consultando a bússola, que aponta o norte, conhecerá o norte, e, conhecendo-se o norte, conhecerá o noroeste. A bússola, dando a conhecer o norte a todas as pessoas que a consultam, as orienta, pois, indicando o norte, permite-lhes encontrar qualquer direção. A bússola orienta, instrui, guia.
E a biruta? Que direção a biruta aponta? É um guia confiável a biruta? De que direção o vento sopra?
Seguir, como desejam muitos, a bússola, não é fácil. Fácil é seguir a direção para a qual o vento sopra, e não a direção da qual o vento sopra.
Seguindo-se orientações da bússola, muitas vezes se é obrigado a ir contra os ventos.
Dois viajantes saem, cada um da sua casa, no desejo de ir até o seu destino, que se encontra a leste. O primeiro para ir até o seu destino consulta a bússola. Os ventos sopram de leste para oeste, e ele acolhe a orientação da bússola, que aponta o norte, e, apontando o norte, dá-lhe a conhecer o leste; enfrentará, de frente, os ventos, e terá de se esforçar para superá-los. E os ventos, que são instáveis, enquanto ele segue rumo leste, muda de direção, e passa a soprar, do norte para o sul, e, depois, do oeste para o leste, e em seguida sopra em círculos, mas ele, orientado pela bússola, mantêm o rumo, e, conquanto golpeado, de todas as direções, pelos ventos erráticos, conserva-se em direção ao leste, sem se desviar do trajeto que o conduz ao seu destino. E o outro viajante consulta a biruta. A biruta soprando do leste para o oeste no início da jornada, ele saberá, indo contra os ventos, que está seguindo rumo leste? Supondo-se que saiba (e que soube ao consultar uma bússola antes de principiar a jornada; e após dar os primeiros passos, abandonou a bússola, desprezando-a, e dedicou, durante a viagem, a sua atenção, exclusivamente, à biruta), durante o trecho do trajeto em que a biruta engolir ventos que sopram do leste, seguirá rumo leste, mas a partir do momento em que os ventos soprarem ou do norte, ou do sul, ou do oeste, ou do sudeste, ou do nordeste, ou de qualquer outra direção, ele se manterá rumando contra os ventos, sempre? Como ele se guiará? Seguirá em direção contrária à da qual o vento sopra? Se desviará do trajeto, se assim proceder. A biruta o desorientará.
O viajante que se guia pela bússola, mesmo que se distraia, e, sem o perceber, desvia-se do seu rumo, ao consultar a bússola, que lhe dá a conhecer o norte, retomará o seu trajeto rumo leste, afinal, a bússola, indicando o norte, permite-lhe encontrar o leste, não importando de qual direção, e para qual direção, os ventos sopram. E o viajante que tem às mãos apenas a biruta distrai-se para remover do olho um cisco, e ao recompor-se pergunta-se que direção seguia, e consulta a biruta. Terá ele a certeza de que ela está a indicar o leste?
Há pessoas que se guiam pela bússola. Há pessoas que se guiam pela biruta. As que se guiam pela bússola são persistentes, enfrentam dificuldades, amadurecem, conquistam, com mérito, sucesso, são mais determinadas, e têm ciência de que, às vezes, os ventos estão a favor, às vezes contra, às vezes eles as golpeiam pelas laterais, às vezes pela retaguarda, e, na maioria das vezes, imprevisíveis e inconstantes, são traiçoeiros. As que se guiam pela biruta são acomodadas, débeis, desfibradas, sempre a favor dos ventos, os ventos as empurrando para qualquer direção, e por eles se deixam desorientar, e não têm vontade de assumir o controle da própria vida.
E qual é a bússola de uma pessoa?
É possível distinguir a bússola da biruta?
O instrumento dá àquelas pessoas que dele se utilizam segurança, permite-lhes determinar o seu objetivo, guia-as até lá, pelo caminho que muitas vezes é o mais árduo e exaure-lhe as forças, permite-lhes conhecer a origem da jornada, o trajeto a seguir, e o seu encerramento, e dá-lhes os meios que as enobrecem, que lhes insuflam o amor por si mesmas ao permitirem realizar, por seus próprios méritos, com dedicação e persistência, os seus propósitos? Tal instrumento é a bússola.
O instrumento não dá àquelas pessoas que o utilizam a certeza do valor de uma realização, que é fruto do esforço próprio, e não lhes concede fibra para arrostarem o mundo, debilita-lhes a alma, e não as amadurece? Tal instrumento é a biruta.
Pode uma pessoa saber de qual dos dois instrumentos está a fazer uso? Alguém poderá dizer-lhe? Ou ela terá de descobrir por si mesma? A sua consciência, apenas a sua consciência, poderá lhe indicar qual lhe é o instrumento apropriado?
Sabendo distinguir da biruta a bússola, uma pessoa toma a sua decisão. E deixa-se ou orientar-se pela bússola, ou desorientar-se pela biruta.