ECOS E CHEIROS DE NATAL (I)

Sempre que o natal se aproxima, algumas lembranças me fazem retornar no tempo.
Tenho uma quase certeza de que alguns de meus melhores dias ficaram arquivados naquela pasta da infância, num endereço que não mais existe ainda que me pertença de fato e por direito.
Então,quando o saudosismo bate,costumo retornar à minha rua.
A antiga rua do Fomento.

Na fileira de casas que ficava um pouco adiante de nossa moradia residiam os descendentes de árabes,filhos de dona Maria e Seo Carlos.
Seo Carlos fora um caixeiro viajante que percorreu boa parte do Brasil negociando suas mercadorias.Quando aportou ao Rio de Janeiro,enamorou-se de Maria,que lhe acompanhou,e juntos, estabeleceram residência em Irati.
Eram nossos vizinhos mais proximos e o imenso casarão de madeira quase sem pintura,tinha olhos de janelas que me perseguiam por trás dos pessegueiros.
Em boa parte da extensão ,alguns domicilios de gente com nomes pouco comuns:
Eram os filhos do casal:
Yazig, Simaia, Labibe,Tufic, Jamil, Zoiadh, Jamil ,Mustafá, Assif e Cheque.
Eram destes domicilios que nas manhãs cheirando a café recém coado brotavam na estradinha de chão os meus amigos de infância.
Quando o natal ia dando o ar da graça,éramos convocados pelo casal Tufic e Avelina,a acompanha-los mata a dentro na busca das bromelias,dos musgos,das pedras envelhecidas que fariam a ornamentação do presépio sob o pinheirinho (uma araucária em formação) que vinha da mata com todo o cuidado para que se preservasse a exuberância.
Íamos de carroça,na maior festa em companhia do casal.No meio da mata nos deliciávamos com fartos e generosos lanches que dona Avelina nos preparava.
Quando,em retorno, adentrávamos ao pequeno povoado a primeira casa por onde cruzaríamos,seria aquela que ficava um pouco além da ponte.
Um pomar rescendendo aos frutos da época,quase escondia a moradia singela cujas paredes de madeira conheciam e  faziam-se cúmplices  de meus anseios e sonhos.
Era ali onde eu morava.
Era naquele endereço recheado de afeto que a cada fim de ano as paredes eram caiadas pelas mãos de dona Hilda,minha mãe.
Na ante véspera,pedaços de tuna (um arbusto espinhoso) eram mergulhados em vasilhames com água.Uma espécie de baba desprendia-se da planta servindo para dar fixação à cal.
Dona  Hilda,habilidosa  com  a  brocha  de pintura,caiava  e  cantarolava  ao mesmo tempo.
Sempre  de  bem  com  a  vida,não  economizava acenos às amigas  e  vizinhas  que  cerziam os  caminhos.
O cheiro característico daquela mistura, impregnou-se em minha memória olfativa como "um cheiro de natal".
Como por impulso,não demorava e todas as demais casas eram também igualmente caiadas.
As paredes brancas pela vizinhança,as janelas em vermelho...Aquilo sugeria um pombal.
[ Pombais de natal ]
A árvore e o presépio iam tomando consistência na sala da terceira casa ao lado esquerdo da rua.
A piazada da rua do Fomento, reunia-se na bodega de dona Labibe para saborear os deliciosos suspiros assados em fornalha expostos em balcão de vidro e vendidos "a preços módicos" como ela costumava afirmar.
Depois tomava-se o caminho do riacho em tardes quentes,cheirando a gabirobas ,para pescarias inesquecíveis.
Ao longo do trecho,em cada casa casa por onde se passava havia sempre um rádio sintonizado na única emissora local.
Nossos sonhos de ganhar algum presentinho de natal,era embalado aos acordes desta canção que até hoje mexe com meus sentimentos.
Clic no link abaixo para ouvi-la:
https://www.youtube.com/watch?v=AAEhHU69q30