6 - Museu da imigração em São Gonçalo: A hospedaria judaica da Ilha das flores

O que mais me desgosta neste país é ver nossa riqueza cultural ser tratada com tanto descaso. Semana passada, por exemplo, a tristeza de assistir na tevê o incêndio do Museu Nacional me fez pensar sobre um outro espaço que carece de atenção. Pois bem, falo do Museu da Imigração da Ilha das flores; transformado em Centro de Memória e Cultura na cidade de São Gonçalo não é difícil perceber que toda a construção exala humanidade.

Espaço onde pouca gente conhece e que outrora serviu de estalagem a milhares de judeus imigrados da Europa, os objetos ali expostos parecem ter sido doados de bom grado por gente muitíssimo zelosa. Lá a energia é sadia, lembra até hospedaria em balneário tropical de decoração antiga. Pois é, lugar onde a nossa memória faz a curva e foge às narrativas de torturas e assassinatos tão contemporâneos de nós brasileiros. Quando chegamos ao local um historiador com ares de recém formado veio nos recepcionar: “Bom dia!”. Funcionário agradável, Giovani mostrava-se loquaz e empenhado em narrar sobre muitas famílias vindas da Itália, Espanha, Alemanha, Croácia, dentre outros países mundo afora. Segundo ele, o espaço pertence hoje ao Complexo da Marinha do Brasil e encontra-se aberto a qualquer pessoa que queira agendar visita. Bom saber, segredei baixinho, conhecimento nunca é demais. Terreno de boas paisagens, construção arejada e supreendentemente bem conservada. Incrível. Acervo organizado até os mínimos detalhes.

Assim são os prédios da hospedaria cujas raízes culturais guardam atualmente histórias de um pequeno universo de coisas e fatos. Ao sentar-se sobre a mureta da varanda da bela construção colonial, o guia abriu um enorme livro de datas e nomes, fixou o olhar nas pautas e imergiu na trajetória passada desse povo semita tão interessante. Ficamos esperando o jovem professor continuar falando. Não falou. Silêncio. Notei gotas de lágrimas embaçarem-lhe os óculos multifocais. Ainda é cedo: olho ao redor. Os colegas estavam distraídos junto ao lago com dois casais de cisnes brancos e lindos, branquíssimos. Foi quando resolvi conversar: “Dizem que os cisnes raramente emitem sons. Li no livro de Eliete Veitsman que quase sempre se calam quando estão longe do lugar onde nasceram”. Continuou calado, o nosso guia não quis mais narrar, havia algo estranho no ar. Perguntei novamente o nome dele, insisti.

— Giovani Schwan, muito prazer, sou membro do comitê estudantil judaico do Brasil.

Sensação de tristeza pairou no ar, que pena, funcionário legal. Mas decidiu encerrar a visita antes da hora combinada: necessitávamos ir embora. Pois é, acho que falei demais.

Autor: Erick Bernardes

Fonte: https://www.jornaldaki.com.br/single-post/2018/09/17/Museu-da-imigra%C3%A7%C3%A3o-em-S%C3%A3o-Gon%C3%A7alo-A-hospedaria-judaica-da-Ilha-das-flores-por-Erick-Bernardes?lightbox=dataItem-jjwryhfw1

Confira a foto do museu no site acima.