Uma crônica sobre o conto
Já há algum tempo os meus anos de leitura são temáticos, o que significa que, durante todo o ano, eu disparo a ler apenas uma literatura específica, do tipo “clássicos brasileiros” ou “livros de escritoras”. É um modo de me forçar a ler coisas que, de outro modo, eu dificilmente leria. Calhou que 2018 fosse o ano dos “Contos”, gênero com que eu estava em dívida até então. Havia lido pouquíssimos livros de conto na vida. Como todo mundo, eu preferia ler os romances e, no meu caso, as crônicas. Mas comecei então a correr atrás dos grandes contistas universais.
E olha, eu me entusiasmei tanto com o gênero que comecei a desencavar cada tesouro que, penso, muito entendido em literatura não conhece. Claro que li também os clássicos. Começando pelo nosso Machado, que eu havia lido há muito tempo e não me lembrava de que tivesse contos tão bons como “Pai contra mãe”. Do Tchékhov eu já conhecia um pouco, mas não “Inimigos”, que se tornou o meu favorito. De Maupassant, Poe e Mansfield eu não conhecia nada e, embora tenham me entusiasmado menos, também neles eu achei contos magníficos.
Lá por abril, depois de ler um livro do E. T. A. Hoffmann (bem menos conhecido do que sugere a sua importância para o conto), eu acabei achando um livro chamado “Maravilhas do conto alemão”, editado nos anos 50. E, gente, o livro é realmente uma maravilha. Fiquei encantado com os contos de gente de quem nunca havia ouvido falar, o Kleist, o Storm, o Sudermann, o Hauptmann. Meu favorito foi o de Bruno Franck, tão desconhecido que não há um único livro dele no Brasil – situação que eu iria ver muito, conforme “estudava” mais sobre o conto.
Depois do alemão, eu parti para outros livros da coleção “Maravilhas do Conto”. Sim, porque há o francês, o russo, o inglês, o espanhol, o italiano, o norte-americano, o hispano-americano, o brasileiro... Nos anos 60 fizeram ainda japonês, chinês, africano... E também edições temáticas, “Maravilhas do Conto” de aventuras, bíblico, feminino, histórico, o diabo. Olha, são 29 livros e eu li até agora 17 deles e em cada um eu encontrei tesouros inacreditáveis, que a gente nem suspeita quando se tem uma visão “anglo-francesa” da literatura. Essa é, sem dúvida, a maior coleção já dedicada ao conto na história do Brasil.
Pelo meio do ano eu descobri outra coleção, a “Mar de Histórias”, organizada pelo Paulo Rónai e o Aurélio Buarque de Holanda. São 10 volumes que pegam desde o início do conto – início mesmo, tem contos tradicionais do budismo e do Talmude, por exemplo – até o período pós-guerra. E de repente eu me flagrei achando fantásticos os escritores da Letônia, da Eslovênia... Pois a seleção feita para a coleção é tão abrangente que pega escritores desses lugares!
Empolguei-me para valer. A partir dos contos que gostei nessas antologias, procurei livros autorais dos seus escritores. Entre os melhores achados deste ano estão o Andreiev e o Merimée. Mas o Daudet é de uma beleza incrível também, e o Maugham conta histórias como poucos. Estou organizando uma lista com meus contos favoritos e acho que ela tem o mérito de ser bem pouco óbvia. No Top 10, tem o Stephan Zweig, o Xavier de Maistre, a Pearl S. Buck, um japonês incrível chamado Osamu Dazai. E no Top 100 tem escritores da Tailândia, da Turquia, do Irã, do Senegal, do Equador, do Panamá...
Até hoje, foram 56 livros de contos, mas ainda tem mais alguns dias até o fim do ano. O resultado? Subverti o meu próprio sistema de leituras e decidi abrir uma exceção: 2019 também será ano de conto.