Crônica dona Liquinha Ferreira e a carta de ABC
Poeta Antonio Agostinho
Com sete anos fui levado para a escola de dona Liquinha Ferreira no município de Timbaúba dos Simplícios para aprender a alfabeto, ou o b com a b a bá como costumava chamar o povo do sertão naquele tempo. A casa da dona Liquinha era uma casa enorme com uma sala ingente onde tinha uma mesa com umas vinte cadeiras onde a meninada se sentava para ler o abc da velha carta tão conhecida pelo meninada do meu tempo. Dona Liquinha era uma senhora muito séria de um gesto cheio de mau humor no entanto era gente muito boa e honesta como professora. A tia Marica já tinha me ensinado a ler e eu lia embora não soubesse escrever patavina alguma. Ali naquela escola mambembe a gente tinha que aprender as vogais e as semi vogais e sobretudo as consoantes para depois escrever as palavras dissílabas e trissílabas. A minha mestra logo sentiu a minha desenvoltura e dizia abertamente esse menino vai dar pra alguma coisa importante porque ele já lê tudo e fala como gente grande. Dona Liquinha não sabia que eu tinha em casa uma pessoa culta que me dava instrução na língua portuguesa. Não me demorei na carta de ABC e logo passei para a cartilha onde lia tudo e escrevia ditado. Depois da cartilha fui direto para o primeiro livro nordeste que trazia História do Brasil Geografia Aritmética e Português. Lendo o novo nordeste não parei mais de ler e comecei e escrever os meus primeiros versos e alguns sonetos quase sem métrica. Estudei dois anos consecutivos com dona Liquinha, tempo que marcou a minha vida de menino pobre e poeta popular. Até hoje eu guardo na memória o nome da minha querida mestra como também o tom da sua voz de homem e ao mesmo tempo uma voz muito suave. Tia Josefa tinha o maior prazer quando me via lendo qualquer coisa porque o gosto dela era me ver artista e para isso eu tinha que ter boa cultura. Quando a minha prima Maria vinha da capital trazia uma ou duas caixas de livros que eu os devorava rapidamente e depois comentava com a tia Marica algo sobre a leitura feita. A minha carta de ABC até pouco tempo estava no meu poder para me servir de lembrança e com ela recordar da minha querida mestra dona Liquinha que já passou para outra dimensão.