Festas X Sensatez
Vivemos tempos estranhos.
Quando aproxima-se o Carnaval e logo, as pessoas estarão na rua fazendo piadinhas sobre uma das piores fases em que nosso país está passando.
A euforia mostrada em certas ocasiões festivas é uma contradição com o real estado de espírito das pessoas.
Parecemos estar vivendo um estado anestésico de efeito Zumbi, quando antes ingeríamos os enlatados importados dos E.U.A como dizia Renato Russo, hoje nós somos os enlatados.
Somos bombardeados por inúmeros apelos de consumo minuto a minuto. Tudo inspira o consumo e nunca vivemos uma época tão positiva no que se refere a possibilidade de adquirir aquilo que se deseja. Sendo que em momento algum estamos preparados para essa realidade feliz consumista, mas queremos tudo e quando não o temos, a insatisfação gerada é tão grande que parecemos infelizes.
O grande enigma que ninguém consegue decifrar é o do próprio desejo, pois aquilo que anunciamos ser o nosso desejo é uma parede de fundo falso. Nem sempre queremos ou suportamos aquilo que desejamos. Muitas vezes desejamos o que nos parece impossível somente para provar que estamos insatisfeitos com o anterior. Quantas e quantas vezes, temos algo que nos satisfaz, mas ainda assim, queremos outro que pode até não satisfazer, mas ao nosso desejo nos parece melhor? Pode ser o carro, o telefone, o quintal, o namorado, a mulher, enfim... Nem o casamento da Angelina Jolie e do Brad era perfeito e nós não sabíamos.
O desejo humano é muito parecido com um cigano sempre acampado num lugar provisório em busca da descoberta do ouro. Mas esse ouro é feito de uma matéria sem forma a qual você não é capaz de encontrar, controlar ou se satisfazer.
Esse desejo não consegue ser realizado como prometem as campanhas publicitárias e nem superado como pregam os ascéticos, as religiões e as autoajudas. O desafio de lidar com esse desejo é o de suportar conviver com ele sem alimentar ilusões de realização ou desespero por nunca cumpri-los, o que sempre pode acontecer.
vejo as empresas de MMN, as pessoas que oferecem em vídeo a barriga do sonho, o peito que bate no queixo, a bunda que bate na nuca, enfim... nunca fomos tão facilmente manipulados por imagens como somos hoje em dia.
Todos querem a família de margarina, sem problemas, os filhos estudiosos, o marido trabalhador, o amigo cervejeiro, a cunhada dançarina, enfim... todos querem tudo, não pode ser uma coisa ou outra, tem que ser tudo ao mesmo tempo agora.
Podemos ver claramente isso acontecendo em nossa vida quando estamos nos sentindo insatisfeitos com tudo à nossa volta. Portanto, proibir ou incentivar a realização dos desejos seria inócuo, o segredo está em nos perdoar por não conseguir gozar a quantidade enorme de apelos que se fazem hoje em dia.
Imagine que você passa num restaurante self-service e tem o desejo de comer tudo disponível, mas seu prato e seu estômago não comportam tudo ali. Nesse momento surge a maturidade de permitir-se querer todas as comidas e, no entanto, se desculpar por ter uma capacidade limitada de lidar com o ilimitado. Escolhas feitas sob essa perspectiva nos liberam do mal-estar generalizado a que somos submetidos. Como se seu pai dissesse à você quando pequeno, “pegue o que conseguir comer, mas o que não conseguir tudo bem, até o dia que vai saber exatamente quanto cabe no seu estômago.”
Essa pai fictício está ensinando a você a arte de escolher entre os desejos possíveis de realizar e aqueles que você pode abrir mão sem ficar com culpa ou insatisfação.
O insatisfeito crônico sofre do mal da abundância vazia, pois parece que existe tanto a escolher que ainda que ele escolha fica insatisfeito porque poderia ter escolhido muito mais. Sim, existe um território enorme de possibilidades a serem exploradas, mas você só consegue andar 10 metros por dia. Alegre-se com esse trecho caminhado.
Eu sofro com isso. E sofro muito.
Quando estou em casa, quero viajar, acordo todo dia suspirando de vontade de acordar em outro lugar.
Quando estou viajando, queria estar em casa.
Se encontro um homem legal, em meio tempo eu já começo a caçar seus defeitos, se encontro o perfeito, arrumo um defeito pra ele, porque é mais fácil querer o novo que se adaptar e aceitar que o velho lhe satisfaz e pronto. Mas, para o insatisfeito crônico, sempre haverá um mas... mas e se aparecer algo melhor e eu estiver acompanhada?
E se eu enjoar dessa pessoa daqui há 5 anos, será que vou arrumar outra?
A sensação é como se sempre estivesse acontecendo uma festa maravilhosa onde todos estão curtindo além dos limites só que você não tem o endereço.
As pessoas hoje não se sentem mais envergonhadas como há duzentos anos, mas se sentem otárias deixadas do lado de fora da grande festa.
Mas essa grande festa está acontecendo nos paraísos da Terra, nas grandes viagens, nos amores ideais e dos prêmios da mega-sena? Os gananciosos afirmarão que sim porque eles estão na corrida maluca para chegar e produzir essa festa. Os medrosos dirão que não porque estão ressentidos e conformados com suas teorias (auto-enganosas) do tipo “eu não preciso disso para ser feliz”.
O que eu chego a concluir é que essa festa não existe e nem deixa de existir pelo simples fato de que é impossível de acontecer.
E nós,continuaremos nessa dança automática, zumbisada chamada vida, esperando o DJ trocar de música, e perceber que a anterior era melhor, ou que a próxima pode ser melhor ainda, e quando percebermos, nossa vida inteira não passou de uma simples expectativa do novo, do desejo contínuo de mudança e da vontade louca de fazer novas escolhas.
Então se você quiser deixar de se sentir um eterno insatisfeito que foi barrado na festa do gozo pleno admita para si mesmo essa impossibilidade, sem culpa ou desilusão.