FICAR A VER NAVIOS - crônica de Ialmar Pio Schneider - Quando escrevi a expressão do título desta, em uma das minhas crônicas, sofri razoável censura de que deveria evitar os clichês. Talvez sim, talvez não. Como poderia, pois, dizer que após havermos con
“FICAR A VER NAVIOS”
IALMAR PIO SCHNEIDER
Quando escrevi a expressão do título desta, em uma das minhas crônicas, sofri razoável censura de que deveria evitar os clichês. Talvez sim, talvez não. Como poderia, pois, dizer que após havermos contribuído com nosso voto para a eleição de um candidato, nos víssemos frustrados em nossas expectativas. Recorro, neste momento, ao conceituado “Dicionário Universal de Citações”, de Paulo Rónai, ed. do Círculo do Livro, pág. 693 e lá encontro: novo - “O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do Sol.” - Eclesiastes, 1.9. e “A idéia de que somente é belo o que é novo e jovem envenena nossas relações com o passado e com o nosso próprio futuro. Impede-nos de compreender as nossas raízes e as maiores obras de nossa cultura e das outras culturas. Faz-nos também recear o que está à nossa frente e leva muita gente a fugir da realidade.” - Walter Kaufmann, O Tempo é um Artista. É claro que na linguagem literária existe esta preocupação, mas não sejamos severos demais, pois se o Paulo Coelho se importasse com as críticas que recebe da maioria, senão totalidade, dos intelectuais, não seria hoje um dos autores mais lidos do mundo. Não faz pouco que vi em uma revista a propaganda do seu livro Veronika Decide Morrer, estampada na traseira de um ônibus que circulava em Paris. Qual outro escritor já teve este espaço, ainda mais na “Cidade das Luzes” ? ou “Cidade-Luz” ? Procurei em três enciclopédias e não dirimi minha dúvida... Por isso deixo ao critério dos leitores, pois considero as duas formas adequadas...
Tive a oportunidade de ler não sei quando nem onde, que o emprego dos clichês, lugares comuns ou chavões, são perfeitamente aceitáveis e até recomendados na escrita popular. Posso, inclusive, despertar uma polêmica aqui, defendendo este meu ponto de vista, mas aceitarei de bom grado se alguém me convencer do contrário. Um dos meus poetas favoritos da Escola Parnasiana, Olavo Bilac, assim se expressou em seu soneto “A UM POETA - Longe do estéril turbilhão da rua, / Beneditino, escreve! No aconchego / Do claustro, na paciência e no sossego, / Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! // Mas que na forma se disfarce o emprego / Do esforço; e a trama viva se construa / De tal modo, que a imagem fique nua, / Rica mas sóbria, como um templo grego. // Não se mostre na fábrica o suplício / Do mestre. E, natural, o efeito agrade, / Sem lembrar os andaimes do edifício: // Porque a Beleza, gêmea da Verdade, / Arte pura, inimiga do artifício, / É a força e a graça na simplicidade.” Deste modo, quero crer que na espontaneidade está o busílis da questão, quando se pretende atingir o objetivo de escrever poesias ou crônicas, já que nestas também existem aquelas, ou seja, a crônica abrange a poesia, conforme em certa ocasião, escreveu-me o conceituado cronista Ignácio de Loyola Brandão, autor de Sonhando com o Demônio, crônicas, e tantos outros livros de sucesso, mais de 20, dentre os quais Depois do sol (contos), estréia, 1965, o romance Bebel que a cidade comeu, em 1968, de viagem (Cuba de Fidel e O verde violentou o muro), contos infantis O menino que não teve medo do medo e Homem que espalhou o deserto, etc.
Entretanto, não é meu propósito ser inflexível e apregoar o uso indiscriminado de clichês, lugares comuns ou chavões em literatura de fôlego, notadamente romances. Os professores de português estão por aí e podem nos enquadrar em suas apreciações sempre válidas.
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Poeta e cronista
Publicado em 4 de setembro de 2002 - no Diário de Canoas.