BABY JANE
Podia ser em qualquer estação, mas sempre penso que era outono, aquelas tardes virando noites já, em que caminhávamos pelas ruas suburbanas cantando: '...toda essa terra vai se consumir / com seus mistérios/ e uma fogueira vai brilhar..."
Os mistérios outonais nos perseguem desde o fim da distante década psicodélica e tropicalista, contornadas por mentiras, como a do astronauta na lua e pelo espírito da guerra fria.
"Lady Jane/ respire o cheiro dos esgotos no chão/
sob essas catedrais de Babel..." Nas janelas, os punks dançavam e se jogavam contra correntes, anéis, pulseiras e colares de aço, (do it yourself').
As esquinas eram espaços da contra cultura de oposição, a nossa contribuição era modesta e acanhada, na tentativa de riscar um fósforo e incendiar a 'porra' toda (It's all right, ma, I'm only bleeding).
"Ah,Lady Jane/ eu sinto o gosto dos esgotos no chão/ sob essas catedrais / sob essa escuridão/ os edifícios tem de cair." E aquele giz que a gente usou para fazer o círculo da poesia e juntar ali as nossas palavras, apagou.
Naqueles frios outonos de delírios e vapores baratos, onde a paz era uma braçada de 'jacaré' no Arpoador, uma 'House of the rock' no Mackenzie, um voo de skate pelas ladeiras de asfalto áspero, ainda posso ouvir um 'riff' ao longe vindo na poeira do tempo.
Baby Jane, isso é quase uma lenda banal como o LP riscado que repetia "The answer, my friend/ is blowin' in the wind/ the answer is blowin' in the wind". Isso é quase uma visão profética do dilúvio de Hendrix à espera da Barca do Sol.
Ricardo Mezavila.