O VÍRUS DE SOFIA
Certa vez, ao deixar a faculdade, dirigia-me a pé para casa, como sempre fazia. Ao atravessar uma pracinha que havia no caminho, deparei-me com um livro partido em pelo menos três pedaços e atirado ao chão, vítima evidente da ira de alguém. Apesar do mau estado do volume, juntei os pedaços e verifiquei tratar-se de um romance de razoável reputação.
Nutro uma reverência especial por livros e senti um certo desconforto ante a situação. Quando pensei, todavia, que aquilo poderia ter acontecido a um exemplar da Ilíada, da Odisseia, da Divina Comédia, ou mesmo da Crítica da Razão Pura, a cada uma dessas lembranças correspondeu um "friozinho" a percorrer-me a espinha. Por fim, fui sacudido por violento calafrio, como se algo de muito sério acabasse de se instalar em minha vida.
Contei o episódio ao professor Patróquiles, de Filosofia da Arte, e pedi sua opinião a respeito. E ele me respondeu:
- Rapaz, você está perdido! Nunca mais terá sossego na vida. Você foi apanhado pelo vírus de Sofia!
Nota: publicado originalmente, e com leve diferença em algum tempo verbal, em junho de 1999, no jornal São Judas, da USJT/SP, onde cursei bacharelado em filosofia.