Quando o amor acaba

Ela olhava fixamente para o celular, esperando o barulho que sinalizaria a resposta que aguardava há horas, mas ele insistia em permanecer em silêncio.

Os ruídos em volta eram muitos, crianças gritando na rua, o som de uma música agitada que tocava na casa ao lado, o alarme de um carro que havia disparado e alguns cães competindo quem seria o vencedor do latido mais estridente. Só o celular permanecia silencioso, para sua agonia.

Ela sempre gostou de palavras, muitas palavras, gastava tempo com elas. Elaborava textos onde poderia expor seus sentimentos, abrir o coração e derramar a alma. Ansiava por recebê-las de volta, como uma confirmação de cumplicidade. Nem precisava ser longos textos, mas estava um pouco cansada de respostas vazias, desinteressadas, muitas vezes expressadas através de um amargo monossílabo. Ahhhh os monossílabos, como eles a irritavam, pequenos nos tamanhos e vazios na essência.

Finalmente o telefone deu sinal de vida, ela corre em sua direção e o pega com tanta avidez que quase o derruba. Lá estava a resposta, mais um monossílabo, seguido de um longo silêncio. Ela decide não responder, como se aquela pequena palavra se tornasse a gota d'água que faltava pra derramar o copo. Coloca o telefone de lado e percebe que seu cão está desesperado pedindo atenção, resolve atendê-lo e decide ir caminhar, afinal, isso seria bom, teria um tempo maior pra colocar os pensamentos em ordem.

O dia lá fora estava perfeito, o céu completamente azul, aquele azul de doer os olhos, sem nuvens, o sol já estava indo embora e uma brisa suave amenizava a temperatura. Ela olhava para aquilo tudo e pensava como não tinha percebido tanta beleza até aquele momento. Tudo estava a sua volta, só esperando que ela enxergasse. Ela caindo em si, começa a sorrir tanto a ponto de chamar atenção das pessoas que vinham em sua direção, fazendo com que elas sorrissem de volta. Aquilo provocou nela uma sensação boa, como se a fortalecesse.

Começou a se lembrar de alguns relacionamentos que haviam chegado ao fim. Tentou refazer o caminho que os levou a isso e chegou à conclusão que entre tantos acontecimentos existiam alguns que eram comuns, como distanciamento, falta de atenção, falta de interesse pelos planos do outro, diálogos reduzidos, em meio a esses pensamentos uma frase a incomodava: "se for amor de verdade não acaba". Ela não concordava com isso, havia amado sim, mas entendia que se o amor não for alimentado ele acaba sim.

Mas o pior é o que fica em seu lugar, um sentimento oco, difícil de definir. Tentou achar uma única palavra onde ela precisaria de muitas pra conseguir explicar. Uma vinha em sua mente agora "reciprocidade" logo ela que adorava longos textos, se contentou com apenas essa.

Reciprocidade, uma bela palavra e necessária nos relacionamentos, sejam de que tipo for. Se não for praticada o amor acaba sim. Não adianta se você tentar exigi-la, ela precisa ser espontânea, de bom grado. Precisa ser constante.

Ela percebe que precisava corrigir muitas coisas sim, mas decide continuar escrevendo suas longas mensagens, afinal ela era assim, fazia parte dela e não deveria mudar só porque ainda não havia encontrado essa tal reciprocidade. Mas no fundo sabia que mesmo que não a encontrasse, as palavras tinham um efeito terapêutico em sua vida e ao escrevê-las ela se encontrava. Passou a escrever pra ela mesma, todos os dias e se apaixonou perdidamente...

Luciene Ester
Enviado por Luciene Ester em 01/12/2018
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