O banho de enxofre
O local era um enorme pavilhão em pedra acastanhada situado no meio da mata e continha, no seu interior, um claustro muito largo rigorosamente preservado e limpo. No meio, existia um jardim, recortado por sebes geométricas com alguns canteiros de flores de tons suaves. O ambiente fazia lembrar um retiro espiritual, onde fosse possível esquecer tudo o que se passa no mundo terreno; uma espécie de Shangri-la. Algumas pessoas, na maioria idosos, percorriam o claustro lentamente, outros, estavam sentados em bancos compridos de madeira. O tempo parecia ter parado naquele lugar e apenas o som de um cântico remoto e aprazível perpetuava como um poderoso mantra. Algumas mulheres mais novas com um ar extremamente determinado e prático pareciam estar programadas em rituais e rotinas de silêncio, previamente ensaiadas.
Eu não estava ali por acaso. Tinham-me dito que aquele era um lugar de cura, cuja regência espiritual estava a cargo do Padre Pio, figura muito conhecida e querida no meio religioso e espiritual. A ele foram atribuídas algumas graças que o marcaram como uma figura santificada e venerada por todos. Já algumas vezes tinha visitado o lugar, mas nunca como naquele dia em que me fora prescrito um "banho de enxofre". De acordo com os preceitos espiritualistas, ele era indicado nalguns casos, nomeadamente quando havia a necessidade de purificar o ser humano, levando-o a uma postura mais espiritualizada e com menor densidade material.
O meu banho estava marcado para as 16 horas e esforcei-me por chegar uns quinze minutos antes. Estava com uma certa apreensão, apesar do lugar me transportar para uma realidade absolutamente tranquila e prazerosa. Afinal, sempre associei o enxofre a uma substância um tanto ou quanto perigosa com um odor muito forte e quase insuportável.
Às 16 horas em ponto, uma mulher aproximou-se de mim e convidou-me a acompanhá-la pelas dependências do pavilhão. Era muito nova, simpática, cordial e fez-me lembrar um personagem extraído da mitologia grega ou de um conto de fadas. Antes de chegarmos na sala do banho parou e fez algumas recomendações breves e preliminares acerca da sessão. Disse-me também que, quado entrasse na sala, teria tudo o que precisasse para permanecer ali o tempo que quisesse e que deveria entrar completamente nu numa banheira e mergulhar nela todo o corpo à excepção da cabeça.
Assim procedi. Entrei na sala e reparei que era francamente espaçosa e arejada. Extremamente limpa e organizada, apesar da sua decoração austera composta por uma grande banheira de esmalte, duas cadeiras de madeira, um balcão comprido, um tapete e duas toalhas rigorosamente brancas. Olhei em volta e pensei que tudo aquilo era fantástico e digno de ficar registado na minha mente, já que tive a nítida sensação que passava por uma experiência indescritível e muito misteriosa. Tirei a roupa e experimentei a temperatura da água. Estava morna e notei que a tonalidade era amarelada e com um cheiro que imediatamente me fez lembrar o enxofre. O odor não era muito forte e a sensação que dava era mais parecida com a de uma mistura de especiarias. Entrei na água e mergulhei o meu corpo totalmente naquele líquido estranho e envolvente. Parecia que flutuava num caldo docemente preparado para me transportar ao portal de uma outra dimensão, em que os sonhos se tornassem realidade e me revelassem algo de oculto e crucial. Assim fiquei alguns minutos imerso no meu banho até ouvir sons que me fizeram ficar muito atento e ao mesmo tempo muito curioso. Apurei o meu ouvido. Era verdade. Escutei algumas pancadas secas junto à parede, mesmo ao lado da minha banheira. Pareciam sinais emitidos pelo bater de um objeto que poderia ser a mão de alguém a avisar-me que alguma coisa poderia acontecer a partir desse momento.
Ainda não recuperado da surpresa pude perceber, logo a seguir, alguns sons límpidos e cristalinos que emanavam da voz de uma mulher. Provinham daquela mesma parede onde escutara os primeiros sinais. Era uma voz angelical e afinadíssima que entoava mantras e cânticos, como se aquela experiência atingisse agora um patamar absolutamente único e surreal. Reconheci imediatamente a voz da mulher que me acompanhara há instantes e que agora, num compasso de mágica, fazia parte daquela cena verdadeiramente única e magistral. Aparentemente, ela estaria do lado de fora da casa junto à parede e provavelmente deitada ou agachada, de forma a proporcionar-nos aquele efeito extraordinário. Tudo tinha sido rigorosamente planejado de uma forma singular, aparatosa e ao mesmo tempo muito simples. Afinal, o banho de enxofre tinha um propósito determinado e o ritual trazia-me a sensação de algo muito poderoso e cuidadosamente embasado na espiritualidade. Sentia-me muito relaxado e envolvido por todo aquele mistério. Tentei esvaziar a minha mente o mais possível e focar apenas aquele canto que me seguia e embalava num passeio suave e transcendental. Não sei quanto tempo permaneci envolvido por aquela sensação de paz e harmonia. E a voz continuava lá, emitindo a sua mensagem sem códigos, extremamente poderosa na sua dimensão espiritual e humanística.
Não sei quanto tempo passou, mas a sensação que tive foi a de um intervalo enorme, com certeza muito além da realidade comum. O que era o tempo afinal, senão um desdobramento do nosso condicionamento e expectativas? Saí muito leve, como se tivesse entrado e saído de uma experiência sensorial que tinha alterado, por instantes, a minha visão de mundo. A mulher, aguardava-me do lado de fora, com o mesmo sorriso alegre de anfitriã que me tinha oferecido à chegada. Olhei dentro dos seus olhos e agradeci também com o meu olhar. Respirei fundo e fui embora sozinho, já que não tive nenhuma dificuldade em reconhecer o meu caminho de volta...