O DIA DA MATANÇA
PRIMEIRA PARTE:
No tempo "de dantes" (alguns ainda dizem "Dantes tempo") na maioria das casas,havia um chiqueiro no fundo do quintal. Nêle,um porquinho, cevado à milho,quirera e lavagem até o dia em que entrava na faca.
Era o famoso dia da carneança.
Neste dia “memorável”, o dono da casa ordenava aos filhos dar umas passeadas que era pra não atrapalhar no momento em que o coitado do animal era imolado.
Diziam que o sentimento de pena por parte da piazada ( e muitas vezes até da dona da casa) influenciava fazendo com que o porquinho demorasse a passar desta para outra.
A razão era simples.Como cabia aos meninos o cuidado com a limpeza do chiqueiro, o banho e a alimentação do animal,inevitável era a relação de companheirismo e o apego que ocorria entre as partes.Eram meses nesta rotina,o que estabelecia um elo de amizade entre ambos.
Quando retornava-se à casa,o finado já estava sob os delicados cuidados de seu algoz.
Em nossa casa essa prática tinha um ar quase festivo.No dia da matança, um casal de tios aportava em nosso quintal.Êle,com a faca afiadíssima.Ela com uma quase vassoura de cheiros verdes para o preparo dos chouriços,ou morsilas e o tempero de outras partes do abatido.
SEGUNDA PARTE:
Sobre a trempe que ardia em lenha de bracatinga, o porco era fritado em pequenos pedaços que depois iam para latas de 20 litros com parte da gordura e ali ficavam armazeandos por alguns meses,preservando o delicioso sabor quando reaquecido.
Os torresmos, muito crocantes eram armazenados em outros vasilhames.Isso tudo,porque em priscas eras,sem energia elétrica ninguém possúia geladeira ou freezer.
TERCEIRA PARTE:
Era costume fazer a partilha de parte da "carneança" com os vizinhos mais próximos.Assim à tardinha,de banho tomado,a piazada saía tôda engomada a entregar um prato com alguns agradinhos da carneança, no portão do vizinho.Retornava trazendo sempre algo em retribuição,ou quando a vizinha estava meio "despreparada",o prato era retido até que alguma coisa fosse preparada e retornasse alguns dias depois.
Tudo muito singelo,ainda que nobre no propósito da partilha e da amizade.
Assim corriam os dias, os meses,os anos,o tempo...
E à cada escandalosa berreira de algum porco pelas cercanias, a gente ligava as anteninhas e confabulava:
Tem "carneança" na casa do vizinho!
Ôba ! Chouriço e torresmo fresco no café das três.