3 - Tarsila, Drummond e o Cassino do Mimi na Estrela do Norte, por Erick Bernardes

Se eu fosse um navegante, sentiria falta daquele ponto iluminado a guiar meus anseios. Veria o saudosismo arrancar de mim um ou dois suspiros durante a madrugada insone. Mas não, melhor reconhecer que são só lembranças. Nostalgia de pescador aposentado narrada pelo velho Pedrosa. No entanto, mesmo atualmente, a imaginação faz questão de soprar os ventos do passado. Sim, brotam peripécias de amor diversificadas — e os versos do marujo ecoam suaves, provocando a reflexão.

Uma dessas histórias descreve a imensa luminária a servir de farol aos marinheiros chegados à Baía de Guanabara. Pois é, naquele tempo não era bem um farol náutico, mas funcionava como guia a quem se aproximasse da cidade de São Gonçalo. Lugares escuros abraçavam as orlas das águas gonçalenses, praias vazias, areias sempre vagas. Todavia, o luzeiro apontava ao longe. Tempos duros, certamente época de longos esforços. Mas corriam poesias nas veias do experiente pescador. Se havia diversão na cidade? Claro que sim. Fundaram um cassino para os lados de cá, coisa grande mesmo, um luxo só! Jogatinas realizavam-se no prédio lindo apelidado de Palacete do Emir (Mimi para os íntimos). O velho Pedrosa, lobo do mar, era o único que não temia falar do que viu e ouviu na mansão servida de casa de espetáculos. Coisas de homem folgazão. Sacana que ele só.

No topo do telhado arredondado, no cimo do palacete servido de cassino em estilo neoclássico, a grande estrela amarela brilhava como sol. Estrela luzidia, orientava embarcações chegadas à baía. Sim, exatamente, lâmpadas importadas da Itália, quase uma letreiro gigante ostentando funcionamento perto da Guanabara. Bebidas sortidas, roletas inglesas, inúmeras partidas de poker – e também jogos de influência a perder de vistas. Ia muita gente lá, apostavam-se somas absurdas em dinheiro. Pois é, quem diria, isso tudo acontecendo aqui pertinho de mim! Naquela época, a cidade recebia políticos aos montes. Surgiam de todos lugares famosos como Villa-Lobos, Di Cavalcanti, e até os poetas Oswald e Carlos Drummond de Andrade davam as caras no entorno do salão central. Verdade. Onde você acha, caro leitor, que o saudoso Pedrosa aprendeu a recitar poemas com tanto ardor? Se a ocasião faz mesmo o ladrão, não sei. Confesso ignorância em casos de senso comum. Certo é que, ao narrar aventuras, o experiente pescador mostrava intimidade com os mais conhecidos versos modernistas. Um poeta do mar, uma estrela ao longe, amores roubados e muita história para contar.

Certa dia, em meio a gargalhadas, Pedrosa jurou-me veracidade quando relatou ter fumado alguns cigarros junto à despojada Tarsila do Amaral. Pois é, narrativas sobre amizades ou conquistas feitas aos montes figuravam também em declamações sobre o casario. Talvez o velho caiçara esteja exagerando. Quem vai acreditar em Tarsila e Pedrosa compartilhando tragos? Impossível ter certeza. No caso dos amores, ele mesmo afirmara que os carinhos mais extremados realizavam-se somente em terra — e não poucas vezes lhe renderam sonetos apaixonados. Uns namoricos passageiros mais afoitos motivaram estrofes, outros nem tanto assim.

Pois bem, o Cassino do Mimi figurava diversão certa, lugar para fazer história. Enquanto lá, em cima, a estrela incandescia a cidade de São Gonçalo, atraindo barcos e orientando a marujada; embaixo, a gente afoita ostentava economias ao longo da madrugada. Sim. A Estrela do Norte representava tudo isso: luzes artificiais, cidade alvoroçada, memória. Navegar dentro de si é preciso, faz bem. Não, mentira. Não faz. Vovô Pedrosa era um sacana.

CONFIRA A FOTO DO CASSINO NO SITE ABAIXO

https://www.jornaldaki.com.br/single-post/2018/08/19/Tarsila-Drummond-e-o-Cassino-do-Mimi-na-Estrela-do-Norte-por-Erick-Bernardes?fb_comment_id=1254057978055365_1254130304714799