Sonhos de Natal
O natal sempre me traz um gosto de nostalgia... Minha distante infância volta atrevida nas minhas lembranças. Caminhando pelas ruas onde as lojas já se enfeitam e se iluminam para a grande data, me transformo numa dualidade estranha. A menina sonhadora dos anos sessenta caminha de mãos dadas com a senhora de sessenta e poucos anos. Nossos olhos caminham pelas vitrines e viajam entre o passado e o presente. Vemos as pessoas felizes, comprando produtos da China, entre presentes e bugigangas de todos os tipos, formas e tamanhos. E as luzes piscando se oferecem para colorir a vida, iluminar os sonhos e criar o clima de magia que hoje é possível em quase todos os lares. No meu tempo de criança não era.
Lembro-me que na minha infância o natal demorava muito. A vida era mais dura e não tínhamos essa infinidade de recursos que as pessoas têm hoje para preencher o tempo e não verem passar os dias. Esperávamos ansiosos, eu e meus irmãos, a nossa noite de festa, o presente tão sonhado, que não era mais que uma bola ou uma boneca. Mas eu também tinha sonhos diferentes. Sonhava em ter um presépio e uma árvore de natal. Então minha mãe me explicava que gente pobre não tinha desses luxos, mas que eu poderia visitar as casas onde os presépios eram feitos. E eu ia. Ainda me lembro a emoção que sentia ao ser recebida em algumas casas e ver aquele cantinho enfeitado onde havia uma estrela, a manjedoura com o Menino Jesus ao lado de seus pais e a presença dos reis magos, rodeado de pequenos animais. E o presépio que eu mais gostava de ver era o da igreja. Hoje vejo que era tudo muito simples, que o luxo que a minha mãe pensava, às vezes não era mais que criatividade de quem tinha o dom para montar esse cenário que eu sonhava tanto em ter na infância e que nunca tive.
Mas a árvore nós chegamos a ter. Minha mãe, cansada de ver minha insistência, ao chegar o fim do ano, ia ao matinho mais próximo, apanhava um galho seco e recobria de algodão. Não havia bolas coloridas e enfeites de natal espalhados pelas lojas como há nos dias de hoje. Então ela embrulhava pequenos objetos com papéis brilhantes e coloridos, e dependurava sorridente nos galhos cobertos com a falsa neve de algodão. Para meus irmãos era uma festa, para mim sempre foi uma decepção. Não era aquela, a árvore que eu queria. Eu sonhava com as árvores lindas que via nos livros de história e nas casas onde eu ia visitar os presépios.
Mas a tristeza que eu sentia no passado hoje se transforma em alegria ao ver o quanto o mundo mudou enquanto essa menina sonhadora viveu adormecida dentro de mim. Hoje os sonhos das crianças são bem mais fáceis de se tornarem possíveis. O mundo globalizado derrubou as barreiras comerciais e o que tem de mais moderno no mercado está nas grandes e nas pequenas cidades dos países capitalistas. Objetos de desejo estão ao alcance de todos, nem que seja em várias prestações. Não são mais só sonhos. Do consumismo à necessidade, cada um vai com as suas sacolas cheias pelas ruas pensando na alegria e no sorriso dos seus, ao receberem os presentes.
Eu também vou preparando os meus... A menina de ontem agora ainda sorri em silêncio quando as minhas mãos já um pouco trêmulas vão iluminando a casa, enfeitando a grande árvore com bolas de verdade, brilhantes e coloridas, e empilhando os presentes à espera dos filhos e dos netos que virão. Mas ainda deixa cair uma lágrima silenciosa ao lembrar-se que poderia ter sorrido mais para alegrar sua mãe, mas que não sabia esconder seu olhar de tristeza, por achar que o seu natal era só um faz de conta...