O cãozinho que teimava em não morrer

Estou numa fase de recuperar tempos perdidos. Talvez porque tenha caído a ficha - finalmente! – de que, aos 61, não tenho tanto tempo pela frente quanto gostaria. Conhecer pessoas virou algo premente. E caminhar tem feito um bem danado. Aqui em Campinas saio quase todos os dias e vou do bairro em que moro até o Cambuí, região que adoro pelas pessoas, pelos negócios, pela energia que pulsa gostosa e feliz. Saio cedo de casa e vou buscando novos caminhos e atalhos, puxando papo com quem não vira a cara e dá abertura pra conversar. Hoje cruzei com mulher passeando com seu cachorrinho. Papo vai, papo vem, ela conta que ele está doente, fase terminal, já com 16 anos, e pouco podia fazer contra isso. Desabafou numa mescla de tristeza e consternação. Disse que tentou de tudo, em vão. Comentei que tinha ouvido falar de uma veterinária médium de São Paulo, acho que da Zona Norte, que dirigia um Centro Espírita no qual dava passes e fazia cirurgias espirituais. Saiu até matéria no Fantástico. Nos domingos faziam filas enormes na porta, que viravam o quarteirão, de gentes com seus bichinhos já sem esperança de cura pelos veios tradicionais. Quem sabe não seria uma alternativa a tentar pro seu moribundo cãozinho. Quem sabe a médium não pudesse curá-lo. Quem sabe?... Quando disse isso, a expressão da mulher mudou. Ficou fria, metálica, seca. Disse que preferia que Deus o levasse o quanto antes, qualquer tentativa de reverter a situação estava léguas de distância fora dos seus planos. E seguiu seu caminho sem ao menos se despedir de mim e nem olhar pra trás. Fiquei parado vendo os dois sumirem, pouco a pouco, no meu horizonte. Para aquela mulher, seu cãozinho teimava em viver, insistia em não bater as botas, digo, as patas. Não era resiliente, era teimoso. Uma teimosia birrenta, incômoda e inconveniente, como toda teimosia deveria ser. Como uma relação dona/animal nunca deveria ser.

(Já escrevei 1.400 textos aqui no Recanto das Letras, tendo iniciado em 01/04/09. São quase 10 anos falando de coisas que sinto, penso, gosto, admiro, odeio, enfim, compartilhando coisas que saem de mim, que fazem parte de mim. É gostoso e emocionante colocar pra fora minhas verdades dessa maneira. E os comentários que tenho recebido estimulam a produzir escritos mais e mais. Obrigado pelas leituras!)

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 25/11/2018
Reeditado em 25/11/2018
Código do texto: T6511260
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