O dia é pra chuva

O dia é pra chuva. Até ontem o sol brilhava e fazia calor. Eu havia planejado sair pra ver se alguma distração qualquer pudesse, quem sabe, me fazer ver graça na multidão e nas pessoas que juntas parecem felizes. Mas mais uma vez surgiu a chuva. Antes eu gostava de sentir as nuvens se aglomerando... eu era criança, mas não tenho lembrança sobre o gosto por gente. Não... eu acho que nunca gostei.

Ela parece me perseguir e até guiar meus passos. Acabei desistindo da rua. Dizem que a luz liberta... deve ser. Mas meu destino é esse, melhor me recolher entre coisas.

Sou de poucos amigos. Às vezes acho que essas pessoas estão meio perdidas, pois ainda sentam- se por algum tempo ao meu lado. Acho também que devem desconhecer seus medos e por isso ficam meio perdidas. Acho, às vezes, até engraçado já que os meus ainda me maltratam porque lhes deixo livres ao ponto de lhes dá vida e eu brincar de me perder entre eles. Mas melhor mesmo é não entrar em detalhes sobre isso, que cada um tenha o encontro que a si for de interesse, cada um faz o que quer que seja pra se prender, pra se enganar, pra dar sentido a sua própria existência ou perdição. Cada um se adentre como quiser.

Às vezes fazem confusão, o que sei é que nunca fui um Dorian Gray, tampouco gostaria de ser. Ele é fraco. Ele seria um companheiro fiel e esse é um problema. Sou má companhia pra muitos e até já percebi rumores sobre isso. Não que eu goste de ser má influência, porém pra isso não tem o que se gostar. Se eu sou, pronto. Preferia ainda que ficassem longe porque não tenho paciência nem em explicar tantas vezes o óbvio. Daí, se fazem algo e se ainda procuram minha aprovação, não me interessa, me canso. Melhor mesmo me recolher...

A chuva passou, pelo menos o olhar da rua pela janela pouco cansa. A escuridão percorre as ruas, já as árvores pelas calçadas parecem compactuar, são cúmplices noturnas, barram a claridade que possa insistir em se adentrar ou serão mesmo necessárias e são aliadas pra garantir fugas ainda que de forma tímidas. Por um instante, minhas pernas querem dar passos sobre esse chão sombrio e úmido, pela escuridão. Elas são donas de si na noite e já me vejo virando uma rua, sentindo o ar gelado em contato com minhas faces.

Percorro ruas, horas seguem iguais as águas pelas sarjetas, ora ligadas pela força das águas que caíram pela chuva, ora danam-se a boicotar esse fluxo em direção a calmaria, porém, sem a sua ausência total. As pessoas estão onde sempre estão, ali sempre está boa parte.

Eu acelero meus passos e já estou entre algumas dessas. Não me esforço para não ser notada, pouco desperto a atenção daqueles que ali estão em busca de encontrar uma distração. Quando me vejo já estou como um ser descontrolado de mim mesma. Falta-me prazer, falta-me pertencimento, falta-me paciência em me sentir bem entre pessoas.

É sufocante.

Ao mesmo tempo, sinto minha mente puxada pela música, uma espécie instantânea de aprisionamento, é a poesia sonora que dá vida ao grito sufocado, se manifesta em notas, em uma melodia ágil, veloz, longa. A minha existência se dissolve... As horas massacram e me cobram o preço mais alto me atestando outra vez que existo.

Retorno. Encontro-me recolhida na calmaria do meu ego, é o domínio sádico, é o que muitas vezes conduz à indiferença.

Fabiula Lima
Enviado por Fabiula Lima em 25/11/2018
Reeditado em 25/11/2018
Código do texto: T6511258
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