UM CHIADO ENTRE OS HIBISCOS
Da série:Pequenas crônicas do cotidiano.
Chia uma cigarra entre os hibiscos.
A tarde de domingo se agiganta sob um céu de hortências e a cigarra,camuflada entre a ramagem, chia dezembros.
Evoca-me as mais doces lembranças arquivadas na sépia do tempo.
Manejo o cortador de grama em movimentos repetitivos,deixando atrás de mim,um tapete varrido de capim aparado.Entra-me pelas narinas um cheiro de mato e o vento refresca-me a cara suada ao calor da estação.
E a cigarra persiste...
Espio a linha do horizonte,grávida de chuva,e acelero o vai e vém da máquina numa corrida contra o relógio.
À minha direita,num contraste, sol e céu brilham efusivamente.
Subitamente sou “possuído” de dezembros longínquos.Tangem os sinos de meu templo interior numa noite de céu marejado de estrelas.
Há uma janelinha rôta,vazando pouca luminosidade.Emoldurado entre o retângulo da janela um menino com uma gaitinha de boca,chia as cigarras da inocência.
Está feliz ! É varado de natal.
As comadres ,enfiadas em suas vestes solenes,buscam a casa da parteira.Rezas, louvores,confraternização.
Cristo nascendo naquela sala ungida de vozes mansas, sorrisos e gestos cordiais.
Rescende nas fornalhas os cheiros de natal.
O menino Deus abençoando a partilha em mesas singelas iluminadas à velas.
Ameixas amadurecem no quintal.Sonhos,em paralelo,nos quintais do espírito.
Infância pulando cercas à caminho da adolescência.Sabiás escrevendo no bico,sutilezas de dezembro.
Vento maroto,paz,liberdade,expectativas...
Gabirobas adoçando a mansidão verde da campina.
Então me dou conta deste dezembro árido,numa nação tumultuada em que agora me encontro.
Sinto falta de colos, de aconchegos dos “tempos de dantes”.
Não mais ameixas pelos quintais,embora persistam ainda um punhado de sonhos num velho quintal do coração.
Nem tudo está perdido,confabulo com meus botões.
Além da janela,na modéstia de minha sala,Cristo renasce num presépio de cerâmica.
Os pequenos bibelôs,com mais de meio século de existência,cumprindo um ritual,saem da velha caixa dos chapéus de meu saudoso pai e dizem-nos da magia do Salvador compartilhando dos espaços sagrados de nossa moradia.
Aspiro ares da tarde com toques festivos.
Por instantes ,feito o menino da gaitinha de boca, sinto-me varado de natal.
Há borboletas nas floradas e a cigarra,incansável,prossegue chiando dezembros entre os hibiscos.
Em paz... Continuo aparando a grama.
Joel Gomes Teixeira