O NADO

Cruzei com o Nado. O Nado é um pretinho simpático que vive de bicos. Corta grama, carpi um pátio, desentope uma fossa, lava um carro. Em suma, vive de pequenos trabalhos braçais.

Cruzei com ele eram nove horas da noite. Ele vinha cambaleando, mais uma vez havia se excedido na pinga.

Não saberia dizer se equilibrava a bicicleta ou se era ela que o mantinha em pé.

Estava voltando à sua casa depois de um dia de lida. Poderia ter julgado por seu vício, ter dito a ele dos malefícios do álcool, ter desfiado um rosário de razões para que não bebesse mais e do mal que a bebida fazia ao seu organismo.

Mas conhecendo-o como eu o conheço, sabendo das dificuldades da vida que leva, sou capaz até de dizer que se a bebida lhe faz mal para o corpo é o antídoto possível para a tristeza de sua alma.

Nos momentos em que está sob o seu efeito sente-se o maior de todos os homens, sem dores, sem tristezas, sem sofrimentos e sem fome.

Entendi que não seria eu a pessoa mais indicadas para julgar seu comportamento.

Nos todos que temos uma casa confortável e certamente um prato de comida quentinho para quando chegarmos, nós não seremos os indivíduos mais apropriados para dizer o que é certo e o que é errado nessa vida.

Eu sei onde ele mora, eu conheço sua casa e talvez ela não seja maior que a sala do amigo que agora está confortavelmente lendo este texto. Sei que quando bebe ele se transforma no homem mais rico da terra e sua casa a maior das mansões e sua mulher a mais belas que já existiu.

Só temos o direito de julgar alguém se junto tivermos algo melhor para lhe oferecer.

Eu vi o homem feliz vindo trôpego em minha direção. Não tinha dívidas, não havia miséria, não tinha fome. Cambaleando com sua bicicleta ia para casa satisfeito da vida.

O amanhã? O amanhã deixemos para o dia seguinte.

Ele me viu, tentou balbuciar meu nome, não conseguiu e começou a rir sozinho. Eu nunca tinha visto ele sorrir quando sóbrio. Vejam só os benefícios que ele encontrou na bebida.

Quantos de nós embriagamo-nos com antidepressivos, calmantes e psicotrópicos lícitos e ilícitos de toda a espécie?

.

Certa vez ele foi num baile com sua companheira e, na volta, levou uma surra de uns desconhecidos que sem mais nem por que resolveram bater nele e roubar sua bicicleta. Quando chegou em casa percebeu sua porta arrombada e deu falta do botijão de gás. Era talvez a seu patrimônio mais valioso. Na manhã seguinte bateu lá em casa perguntando se eu não tinha um para lhe emprestar. Emprestei um botijão cheio e nunca tive coragem de pedir de volta.

Quando eu era criança e minha mãe ainda estava viva, um mendigo completamente alcoolizado apareceu lá em casa perguntando se não tínhamos cachaça para dar a ele.

Fiquei horrorizado com a ousadia. Como poderia alguém pedir cachaça para uma senhora. Minha mãe foi até a cozinha, pegou uma garrafa que não sei porque estava conosco, visto que não bebíamos e deu a ele. Olhou para mim sabendo de minha indignação e disse-me: A única alegria que este infeliz tem é a bebida. Esta é a sua forma de encontrar a felicidade. Não serei eu que irá proibi-lo se eu não puder dar nada melhor.

Quando cruzei com Nado, lembrei de suas palavras. Era uma sábia.