O MOTIVO DO MEDO DELA...

- Crônica do dia 19 de novembro de 2018 -

Certa feira, era aniversário de um amigo meu, e fomos andar. Tocamos violão na praia com uma galera alternativa, e depois fomos tomar umas cervejas num bar que tinha Karaokê.

Como é normal, em lugares que têm Karaokê e gente frustrada reunidas, as músicas eram chatas e mal cantadas.

Até que apareceu alguém que salvou a noite. Uma negra pequenininha que cantava lindamente! E estava brilhando. As pessoas estavam circundando-a para fotografar.

Mas faltava alma. Aquele som, ainda não estava conseguindo me tocar. Não estava vendo sentimento na voz dela. E sim, algo de mecânico, de inseguro. Não natural.

Ela terminou de cantar a primeira música, e cantou outra, outra e outra. E sempre aquela coisa harmonizada, com técnica. Parecendo o Sibelius lendo uma partitura.

Não entendia o motivo daquilo, até que o MOTIVO chegou. Aí ele pegou o segundo microfone e começou a cantar junto, terrivelmente mal e fora do tom.

Passei a perceber. Onde ela ia, ele encostava. Com quem ela fosse falar, ele abafava. Pra onde ela ia só, ele puxava. Os olhares dela, ele sondava. Eu via a cara de medo dela! Bastava ele chegar pra ela interromper o sorriso.

Quando o bar estava fechando, e estávamos todos nos despedindo, ela passou por mim e eu falei pra ela.

- Puxa, parabéns! Você tem muita técnica e uma linda voz! Só precisa começar a cantar.

Ela entendeu o que eu quis dizer, e sorriu para mim com os olhos brilhando. Ela sabia do que eu estava falando, mas não pode dizer nada.

Surgiu um homem do lado e me cortou com arrogância.

- Ela sabe cantar.

Eu o respondi secamente e depois o ignorei. O assunto aqui estava mais interessante.

- Se emocione, se liberte, cante! Você tem uma voz linda, e se você se soltar, ninguém vai conseguir lhe segurar mais.

E o “motivo” encostou de novo e ficou olhando para a minha cara, como que tentando me intimidar, mostrando que ele estava ali e estava de olho.

Eu o olhei no fundo dos olhos dele com firmeza, e depois de alguns segundos percebi que ele desistiu de me assombrar.

Continuei falando e ele saiu de perto de nós. Ela me olhou meio que sem graça e baixando o olhar, eu percebi que ela ficou sem jeito, aí eu emendei.

- Já entendi o motivo de seu aprisionamento – Disse apontando para o marido dela com o queixo. Ela sorriu e fixou os olhos no meu, lindamente. – Por que você não se livra dele?

Ela suspirou fundo e ficou balançando a cabeça em tom afirmativo e apenas me respondeu:

- Estou tentando...


Graciliano Tolentino
Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 19/11/2018
Reeditado em 19/11/2018
Código do texto: T6506096
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