Interminável Domingo
Estávamos à sós. Daniel pegou seu material e desceu rumo a quadra. "Eles crescem tão rápido". O tempo passava por nós dois. Alí, de mãos dadas com os mesmos sentimentos. Não precisávamos falar nada. Os olhares gritavam palavras ensurdecedoras sem o mínimo movimento dos lábios. Você estava morrendo e me matando a cada flagelar de lágrimas lançadas ao seu corpo, e a este quarto também.
Levantei, movimentando seu olhar calmo e penoso. Direcionei-me para o criado-mudo em leves passos, vendo por sobre o ombro, seu belo castanho ardente me fitar em negação. As gotas pintavam as dores da morte. A seringa estava cheia de remorsos e mágoas inapagaveis que logo se derramaria por suas veias, em busca de justificativa. Sentei ao seu lado, perdido na imensidão que se escondia em sua alma, apto a dizer adeus ao anjo que concebeu Daniel. O punho fechou-se na flecha. "Você lembra quando corri com o menino no carrinho de mão, e caímos na lama?". Era um dia de chuva, como este, que mais tarde choverá.
Fixei meus olhos no vazio daquele coração, que por sua vez sorriu e acenou para receber o passaporte da eternidade. Selei nossos lábios mesclados à angústias e duras penas. Sua vista, ainda aberta, congelou com o fluído em sua jugular. Pulei de euforia após o ato. Me corroendo em desespero, sem rumo. Larguei tudo e tombei no cambalear das pernas. Pousei sob a areia que se apagava com o dia. Interminável domingo que chorei sem compasso.
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