POSSESSÃO

Sentado em um banco de praça, sem nada que fazer, sem nada querer fazer, vejo um velho sentado à calçada que tangencia a rua. Com um chapéu na mão, espera receber uns trocados.

Vejo um jovem colocar uma cédula no chapéu. Uma senhora põe umas moedas e o velho agradece e agradece em nome de Deus. Estão todos abençoados. Passam-se quinze minutos e não menos de sete pessoas deixam sua contribuição.

O velho sempre agradece e, em certo momento ele se levanta da calçada e vai para um dos bancos da praça. Acende um cigarro. Inspira a fumaça para dentro dos seus pulmões e sente grande prazer ao soltar a fumaça pelo nariz. O homem parece uma chaminé.

Eu não era o único que observava o que agora lhes conto. Duas respeitáveis senhoras cochichavam que a ajuda que o homem recebia era gasta com o vício. Pelo menos assim interpretei pelas caras que faziam, pois não as podia ouvir; estavam longe de mim e perto do velho. Observo a cena e viajo na minha mente. Imagino que o velho, como que possuído por algum espírito responde às duas senhoras respeitáveis com todo o respeito que talvez não mereçam:

“Que mal tem que eu fume, senhoras? Por que me recriminam? O dinheiro que me dão quando peço esmolas não é meu? Não posso gastar o meu dinheiro com o que eu quiser? Ou as senhoras estão preocupadas com minha saúde? Posso morrer, é isso? Não tenho a liberdade de morrer?

Estive sentado aqui perto, nesse sol forte, pedindo esmolas. Não tomei banho. Meu suor me deixa pegajoso. Minha roupa e meu corpo fedem. Não é sempre que tomo café ou tenho o que almoçar. Tenho meus desejos, mas ninguém me acha atraente. Se as senhoras não me podem ajudar nisso então continuarei com meu cigarro. Vocês veem vicio e não enxergam que é prazer, meu prazer.”

Acordo de minhas divagações. O velho já não está possuído; termina seu cigarro e volta para a calçada.