Estripulia
Sempre achei que tivesse uma seletividade mnemônica voltada para desastres.
Lembro-me de que meu pai, sempre metódico, tinha um jogo de instrumentos gráficos no qual não deixava ninguém tocar -- dentre eles, um grampeador verde pintalgado de preto era o que mais chamava minha atenção --. Ele o guardava numa gaveta escondida de mim, mas não imaginava que eu, malinando, já a descobrira.
Certa vez, meus pais saíram de casa para algum tipo de evento; era minha chance. Fui até a gaveta em que estava o grampeador e não pude acreditar! Vira aquele momento em meus sonhos!
Pus logo meu dedo ali dentro e já fui testar a força do construto. Duas torrentes de desilusão escarlate jorraram dos furinhos recém-abertos em minha inocente falangeta; desatei a chorar. Limpei o grampeador e guardei-o no lugar, trêmulo e visivelmente envergonhado. Esperei minha mãe chegar e fui correndo mostrar meu machucado:
-- O que foi isso, menino?
-- E-e-eh... cortei com um pedaço de vidro, mãe.
Não-tão-incoincidentemente-assim, não havia vidro quebrado por perto...