lembranças de outrora
Esta crônica é uma homenagem a Arlindo Cipriano Leal, educador e entusiasta de grande parte da minha geração em Inhuma PI.
Assim que os primeiros raios de sol se revelaram no horizonte, Arlindo Cipriano leal já se encontrava de pé ao lado da janela de sua casa olhando a amplidão à sua frente e comparava toda aquela grandeza ao tamanho de seus sonhos. tinha acordado com um brilho a mais no olhar. Com sua paciência costumeira e dedicação reconhecida ao trabalho, em seus planos naquele dia seus alunos não teriam aula de religião, ele tinha que compartilhar na sala de aula de seus projetos futuros. E naquela manhã a revoada de dezenas e dezenas de andorinhas em voos desenhando ondas no ar num sincronismo fantástico, parecia terem tido horas e horas de ensaio, faziam pequenos voos e pousavam em filas indianas nos fios de energia elétrica dos postes da calçada de escola João de Deus Carvalho, e em seus bater de asas e olhar atentos àquele homem com a cabeça cheia de planos que passava ali em frente, evidenciava os mesmos sentimentos, sentimentos de alegria.
Naquela noite, Arlindo entrou na sala de aula e no quadro negro passou a desenhar um esboço do que seria a construção de seus sonhos: a CNEC. A funcionalidade da escola no João de Deus Carvalho é provisória, em breve todos teriam ¨casa¨ própria, afirmava ele fazendo gestos com as mãos e com certo entusiasmo e comprometimento na voz.
Com a doação do terreno pela igreja católica, Sr. Arlindo iniciou uma campanha para arrecadação de fundos com diversas atividades: festas, leilões, bingos, quermesses e doações, para a construção da escola. Chegou inclusive a dirigir-se ao batalhão de Picos, de princípio foi barrado no portão, no entanto não era de desistir facilmente, entre argumentos dos motivos de sua presença ali, conseguiu convencer a autoridade máxima do batalhão local a fazer a implosão do morro de pedras que existia no terreno doado para a construção da escola. pela simplicidade, vale lembrar do bode doado pelo nosso saudoso Zé Dias (morava na rua de seu Aurino) para ser leiloado e na boa vontade do pedreiro Santo Custódio que tantas vezes doou os serviços de sua profissão até deixar as paredes da escola na altura das janelas. E assim ficou a construção da escola parada por algum tempo, sendo por muitos desacreditada de sua conclusão, e por muitos virou motivo de piadas e chacotas. Tempos difíceis, doídos mesmo. Mas Arlindo Cipriano Leal demonstrou ser maior que estas zombarias e com seu poder de convencimento e enfrentando todo tipo de adversidades, trouxe para perto de seu sonho a comunidade local e mesmo em viagens a Teresina, convencer o governo do estado do apoio financeiro para a conclusão da obra. Inegável e de fundamental importância a participação do corpo docente da escola, alguns no exercício da profissão, outros que vieram em seguida (Adamir Leal, Belzimar, Luzia Quelé, Gercina, Socorro Isidoro, Idovina, Dona Chagas, Ducarmo Bezerra, Maria Barros, Zé dos Santos, Adetiza, Socorro rego, Crizalda, Iracema. Regina, entre outros). Mais de uma geração de inhumenses ficou marcada não só pelo fato de terem sido alunos da CNEC, mas por todas as nuances envolvidas nos anos em que a escola esteve em atividade. A lembrança de acordarmos as seis da manhã ouvindo asa branca de Luiz Gonzaga, milionário e José rico, marcas do que se foi com o Roupa Nova, além claro, do hino Cenecista. Pelo amplificador, Seu Arlindo também fazia serviços de utilidades públicas, como avisos de alguém que perdeu documentos, comunicados de interesses da comunidade e também o chamado de professores que se atrasavam para suas aulas, não poupando inclusive a Gaida: ¨atenção Luiza Margarida compareça à escola, faltam apenas cinco minutos para início de sua aula ¨, perfeccionista mesmo. E como não recordar que, na hora do jantar, impreterivelmente todos os dias às seis em ponto, pelo amplificador, ouvíamos a Ave Maria.
Nenhum exagero chamar de ¨anos dourados¨ uma época marcada pelos mais diversos sentimentos, sejam eles de pura nostalgia, onde as lembranças atravessam os anos e ainda nos enchem de alegria pela singularidade do fato e pelo prazer de ter compartilhado daquela história.
Como esquecer das estrelas na manga da blusa de farda indicando qual série estávamos. Da calça caqui com listras verdes laterais, na elegância das mulheres em suas saias verdes de pregas. E o nosso inesquecível companheiro de idas e vindas à escola (cá entre nós, a badaladas festas também) o famoso Kichute. Ah! Que saudades tenho do meu surrado Kichute.
Nas manhãs geladas, antes do horário da educação física, parávamos no patamar da igreja e Mizael com seu livrinho com aulas de karatê passava seus conhecimentos sobre defesa pessoal. Eram os alunos da minha turma, parte da minha geração de ouro (Tição, João Bodim, Celso, Agenor (Karina), Egivaldo, Vicente de Licindo, Mizael, Adailton (chulé), Agostinho, Balduíno e Albuino Avelino, Ernane Monteiro (caixa de som), Antônio Baldoino, Fernando, Rosimar, Zé Carlos Piuta, Zé Carlos Aguiar, Valdeburgo). Anos de convivência e construção de uma amizade verdadeira e duradoura. Foi um tempo de detalhes marcantes, como na importante explicação da construção da fórmula de Baskara (equação de 2º grau, ∆ = b2 – 4ac) e não apenas sua funcionalidade na resolução de questões. A professora Iracema estava certíssima, é assim que se ensina e aprende matemática. Como não guardar na memória o simples ¨butᨠde Ducarmo Bezerra, na chegada de seu Arlindo na porta das salas de aula retirando o pente do bolso e enquanto assoviava, passava o pente nos ralos cabelos e assim dava seus recados para os alunos. Enquanto isso, eu e Baldoíno estávamos pulando o muro no fundo do quintal da escola. Era uma época de descobertas pessoais, de juvenilia mesmo.
A escola CNEC surgiu em nossa cidade num tempo de pós ditatura militar, embora seus resquícios ainda estivessem bastante presentes no cotidiano das pessoas, nas relações pessoais, nas disciplinas da escola, lembram delas: OSPB e EMC, ainda ouço pessoas comentando da necessidade hoje de disciplinas assim nos currículos das escolas, mas tudo no seu tempo. Inegável os valores de cidadania e respeito adquiridos nesse processo de assimilação cultural. Como exemplo, na minha turma citada temos médicos, odontólogos, professores, empresários contábeis, funcionários públicos federais, e etc. Havia um comprometimento com a formação do cidadão do dia a dia, como também da formação do profissional futuro.
Como esquecer das madrugadas geladas no campo de Dona Mariquina, os alunos num gesto de cavalheirismo e de necessidade também recolhendo paus e folhas secas da mata para fazer fogueira e esquentar o frio, enquanto os professores e delegado de policia organizavam os ensaios dos desfiles cívicos que antes do dia 7 de setembro tinham que estar próximo da perfeição. E que desfiles cívicos. A cidade acordava cedo e as pessoas tomavam as calçadas enquanto as escolas passavam desfilando pelas ruas da cidade representando fatos históricos em apresentações quase perfeitas. Existia uma competitividade amigável entre as escolas, cada uma comprometida não apenas em representar, mas em demonstrar aos presentes suas capacidades de organização e de fazer bem feito ao que queriam representar. Lembro da minha irmã Neném vestida na fantasia de lobo mau numa encenação com a chapeuzinho vermelho. As ¨balizas¨ geralmente mulheres bonitas e vestidas de branco, realizavam seus movimentos acrobáticos com suas varetas que pareciam ser de condam, num sincronismo invejável enquanto seguiam o desfile. A verdade é que todos tinham um certo ar de comprometimento com a escola e por que não dizer, de patriotismo.
A verdade seja dita, o tempo não para, apenas deixa registros e marcas do que se foi. Dos anos e da geração cenecista ficou em cada um os ensinamentos adquiridos que colocamos em prática todos os dias. Principalmente a lição de que para realizar um sonho, nunca devemos desistir nos primeiros obstáculos, nem fazer desmoronar sonhos de outros e das sobras construir os seus. O sonho de seu Arlindo se tornou grande pela realização do seu eu pessoal e pelas dificuldades enfrentadas e ficou perpetuado na realização dos sonhos de uma comunidade participativa e acolhedora quando o gesto de um é em prol de todos. Arlindo Cipriano Leal um homem de coragem, um homem de valor. Este texto é um testemunho vivo de sua vitória.