Afiando o serrote

Certo dia estava um senhor junto do seu neto, que olhava com olhos curiosos os afazeres do avô. O senhor estava cortando madeiras fazendo uso de um serrote e, ao perceber que a ferramenta não estava desempenhando sua função a contento, parou de cortar e pôs-se a afiá-la.

Foi então à sua garagem buscar uma lima triangular. Aqui talvez caiba explicar ao douto leitor algo que o menino não sabia aquela altura. Diferentemente do modo como se afia uma faca, que tem a lâmina reta, para se afiar um serrote usamos uma lima triangular para moldar novamente os dentes do serrote. Para isso é necessário passar a lima em todos os dentes, um por um, para que eles fiquem pontiagudos, pois à medida que o serrote é usado, seus dentes ficam arredondados.

Olhando aquela atividade que, aos olhos de um garoto, parecia demorada e entendiante, o neto disse ao seu avô:

- Nossa, é preciso muita paciência para fazer isso ai.

De pronto o avô respondeu, do alto da sabedoria que a idade lhe concedeu:

- Meu filho, é preciso paciência para tudo nesta vida.

Tal evento ficou marcado na cabeça do menino, que, ao crescer, jamais esqueceu aquela lição que brotou de momento, advinda das verdades da vida. Foi um momento onde o fato real, que não havia sido percebido ainda, tornou-se evidente e mudou todo o futuro do discípulo.

Em um mundo onde um evento que demanda mais que um dia para ser concluído já é considerado demorado, aquele menino pode perceber a impaciência dos tempos modernos e tentou, com muita limitação e pouco sucesso, aplicar à sua vida o ensinamento do avô. Ao final aquela pequena paciência que, aliás, não era sua de origem, permitiu-lhe sair um pouco da loucura reinante e entender que se o resultado demora 20 anos, ainda assim, sob algum aspecto, pode também ser este prazo considerado curto.

O filósofo Roger Scruton, que eu conheci recentemente (conheci por suas entrevistas, visto que ele mora na a uns 5.000 Km da minha casa) disse que a arte consegue, de certa forma, redimir os nossas tristezas e feiuras ao transformá-las em algo belo. O menino da história sou eu e o avô é o senhor Luiz Alves da Costa, falecido na última semana, sendo ela uma humilde tentativa de transformar em arte e consolação, para mim e para quem mais ler, a morte de um ente querido de tamanha importância que, caso não tivesse existido, não existiria este também, além de prestar homenagem à uma pessoa que, apesar dos seus defeitos, fez muito mais que eu com muito menos do que eu tenho.

Um abraço a todos.

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