Qual era mesmo o nome do quitute?
Depois da escola, cada uma seguiu o seu caminho. Ela dobrou a esquina e seguiu pela travessa. Sua amiga, antes de seguir a rua de sua casa gritou: “Você vai comigo?” Ela respondeu: “Vou, passe em casa então.” E cada uma seguiu o seu trajeto até suas respectivas casas. Sua casa ficava no final da viela, a última casa, em frente ao coqueiro. Todo ano dava um monte de coquinho, (Uma frutinha amarela com polpa por fora e castanha por dentro), a criançada da vizinhança, adorava aquela frutinha. Uma hora depois, sua amiga estava em frente ao portão. Trazia nas mãos uma forma de alumínio enorme, coberta por um guardanapo branquinho, daqueles que as mães alvejam ao sol e para enxaguar, colocam ele em um balde com água limpinha e adicionam uma pedrinha azul (aquela conhecida por anil). Chegou perto de sua amiga e sentiu um aroma absurdamente gostoso vindo daquela forma. Sabe aquele cheiro de comida de avó? Um Cheiro de fome? Já havia almoçado, porém aquele aroma era incrível. Então, a amiga levantou aquele guardanapo branquinho e ela viu inúmeras bolinhas de carne, arrumadas delicadamente na forma de alumínio. Comeria todos aqueles quitutes que estavam dentro da forma. Abriu o portão de sua casa, saiu rapidinho e disse: “Vamos?”. A amiga consentiu com a cabeça e foi logo se adiantando: “Minha mãe fez “armônica” e preciso vendê-las. Não posso voltar para casa enquanto não limpar a forma.” A menina perdida em seus pensamentos, não quis perguntar para não passar vexame. “O que seriam as tais “armonicas”“? Nunca havia comido aquelas bolinhas de carne. A única coisa que sabia é que tinha um cheiro de comida gostosa. E saíram as duas pelas ruas da vizinhança. Era bem comum naquela época crianças vendendo salgados e doces pelas ruas da cidade. Ajudava na compra de matérias escolares, até nas despesas da casa. Naquele dia, o sol estava de rachar cabeça de gente, muito quente. “Rachar cabeça de gente” era uma frase da avó, que sempre gritava: “Sai do sol menina, está muito quente, vai rachar sua cabeça!” Sempre se lembrava da avó com grande carinho. E seguiram as duas meninas, ambas com 10 anos de idade, pés no chão. As solas dos pés já tinham uma pele grossa de tanto andar descalço, já não sentiam mais o calor do chão que queimava... Batiam de casa em casa, oferecendo a “armonica” para todos moradores daquela vila. Naquela época, meados de 1975, o preço do quitute era igual ao preço de um sorvete, sorvete simples, não aqueles de marca, igual o da Kibon. Andaram por toda a vila, venderam algumas bolinhas de carne e a tarde foi caindo, o cansaço e a fome foram aumentando. As duas meninas, passaram pela estrada das Mangueiras, uma estrada que mais parecia um pomar de tanta fruta. Lá tinha pitanga, laranja, goiaba e principalmente manga, manga de várias espécies: manga rosa, manga espada, manga coração de boi... A manga coração de boi era a maior, mas a menina gostava mesmo era da manga espada. Uma delícia comer manga do pé da mangueira. A amiga, já cansada sentou em um tronco de arvore, tirou o guardanapo de cima do quitute e ofereceu para a menina. Que prontamente respondeu: “Não tenho dinheiro para comprar.” No que a amiga disse: “Não precisa pagar, é de graça, pode comer.” A menina com medo perguntou: “Mas, a sua mãe deixa”? E ela respondeu: “Meu tio vai pagar minha mesada e eu pago para minha mãe, sempre faço isso, as crianças adoram!” Então, a amiga, começou a distribuir os quitutes para as crianças que jogavam bola em um campinho, a criançada não acreditava, foi uma alegria só, faziam fila para ganhar um bolinho de carne. Naquele momento, ela percebeu que a amiga estava fazendo uma boa ação para aquelas crianças da vila. Notou o brilho no olhar da amiga ao ver a felicidade estampada no rosto daquelas crianças. Sentiu-se feliz também ao ver a alegria da amiga e da criançada. Ela experimentou também algumas bolinhas de carne, saboreou vagarosamente cada uma. Era a primeira vez que comia aquele quitute que a amiga chamou de “Armonica”. Nunca mais esqueceu aquele dia. Mais tarde, ficou sabendo que aquele bolinho de carne tão saboroso não se chamava “armônica” e sim Almôndega. Foi engraçado... Até hoje se lembra com carinho daquele dia. E foram as melhores almôndegas que ela comeu em toda sua vida.
Fim.
Rose Tureck
31/10/2018.