Um cenário: muitas memórias
Um cenário: muitas memórias.
Subi o morro da Nossa Senhora da Salete e sentei-me sobre um pequeno rochedo cravado no topo do monte. Respirei fundo. Descansei a vista sobre a cidade e mergulhei numa contemplação silenciosa de um aglomerado de casas e edificações. No centro da praça, melancólica e imperiosa, desponta a velha igreja matriz. Ao lado da igreja, feito serpente, desenrola-se o rio Pedras Grandes. Ao fundo dessa imagem, levanta-se, coroada de nuvens, a Serra do Rio do Rastro, com braços abertos ao infinito. Vejo, ainda, o verde das pastagens que margeiam o rio Tubarão. Gados, cavalos, capivaras, aves e animais diversos aproveitam a abundância desse éden catarinense.
O tempo flui como um rio e suas águas carregam nosso passado. O passado se vai. Ficam as memórias. Nossas memórias estão aqui nessa cidade maravilhosa.
Se bem me lembro, tudo isso aqui começou na Itália, no século XIX. Conquistar a América foi a solução encontrada por muitos italianos para fugir de invernos rigorosos, fome, desemprego...E foi assim que várias famílias partiram da Europa rumo ao Brasil. Foram trinta e seis dias de angústia e medo, trazendo consigo, além de alguns pertences, a esperança de prosperar em um lugar melhor. Atracaram no Rio de Janeiro, seguiram para Laguna, subiram o rio Tubarão e em 28 de Abril de 1877 já estavam em Azambuja.
Chegando à sede da Colônia, abrigaram-se em alojamentos provisórios. Derrubaram as matas, construíram ranchos e cultivaram o solo para alimentar suas famílias. Força de vontade e fé sempre os acompanharam.
Ouvi muitas histórias sobre a colonização de nossas terras quando eu era pequena. Nas noites frias de inverno, mamãe colocava todos os seus doze filhos em volta do fogão à lenha e, enquanto mexia o caldeirão da polenta, contava-nos histórias sobre nossos antepassados. Por um instante, pareço sentir novamente o sabor de tudo aquilo...
Recosto minha cabeça grisalha no tronco de uma árvore. Respiro fundo. Fecho os olhos. Lembro-me de minha antiga casa. Um casarão de madeira; quatro quartos e um fogão a lenha no centro da cozinha. Do assoalho de madeiras largas, podia-se ver o porão onde papai guardava os salames, os queijos e os vinhos produzidos em nossas terras. Atrás da casa, o roçado: milho, feijão, mandioca, hortaliças, os parreirais, as ameixeiras e os pessegueiros. Imaginem a fartura! Fui uma menina feliz.
Confesso que ainda não me adaptei à modernidade: conversar pelo computador ou celular não é tão bom quanto apreciar uma boa conversa em volta do fogão a lenha.
Sinto alguém bater no meu ombro. São meus netos. Volto ao tempo presente. O passado, já não o tenho. O futuro está na minha frente. Damos as mãos e descemos. Lá embaixo, descortina-se o cenário da minha história.