"PRO DIA NASCER FELIZ", UM CADERNO E DUAS CANETAS
Me desculpe, caro leitor, se você por curiosidade começou a ler esse, eu diria relato de vida, classifique como qualquer coisa e/ou como nada, uma prosa poética ou simplesmente uma crônica, eu particularmente vou chamar de crônica de vida pessoal, não aconselho ler até o fim, mas se por acaso tiver curiosidade eu ficarei feliz, afinal alguém enfim se interessou saber um fato da vida desse humilde poeta.
Pois bem, vou lhes contar quando ganhei minhas primeiras canetas e meu primeiro caderno.
Era uma tarde, finalzinho de tarde e na região onde eu morava, Nona Travessa do Montenegro, interior de Bragança-Pará, era de costume colocar mandioca na água e depois de seis, sete dias que ela amolecia tirava aquela primeira casca e assim começa o processo até transformar em farinha para depois vendermos e então comprarmos as coisas que restavam para a nossa alimentação. Eu tinha entre nove e dez anos.
Naquela tarde minha tia Inês convidou a mim e meu irmão para ajudá-la a retirar a mandioca da água, mas não disse que nos daria nada, meu irmão falou logo não estar a fim de trabalhar de graça, ela então respondeu a ele: “perdeu o que tinha que ganhar”. Ele enraivecido respondeu não necessitar dela. Quando minha mãe soube dessa rebeldia infantil quase sobrou uma surra a ela que foi obrigado a pedir perdão a nossa tia. Belo tempo em que se respeitava os mais velhos e essa lição da minha mãe tenho guardado até hoje e não precisou nem chegar ao extremo do meu irmão apanhar.
Mas enfim, vamos ao fato principal!
Depois de alguns dias minha tia foi até Bragança onde vendeu sua farinha e fez suas compras, quando chegou foi até em casa com um pacote e me entregou dizendo: “esse é o presente merecido de rapaz trabalhador e que não mede esforços para ajudar, mesmo sem saber se irá ganhar algo em troca”. Outra grande lição que jamais esqueço, ajude a quem quer que seja se você pode ajudar, muitas vezes nem é você o beneficiado de sua ação, mas não há ação melhor que espalhar o bem, essa corrente hoje tão fora de moda devido a nossa individualidade narcisista.
Ao abrir o pacote me deparei com o presente mais lindo que poderia receber, um caderno de quatro matérias e duas canetas, uma azul e outra vermelha, justamente aquele que era o meu maior sonho de consumo, pois já na quarta série primária eu nunca tinha tido o prazer de escrever com uma caneta e em um caderno capa dura e espiral, os meus cadernos lembro, eram feitos de papel almaço, os quais meu pai comprava e minha mãe recortava cada página em quatro pedaços menores e em seguida costurava a mão, meu lápis tinha que durar entre três e seis meses, então um caderno era tudo, o meu sonho, quase delírio de criança estava sendo realizado, foi amor à primeira vista, as lágrimas vieram à tona iguais às que caem agora rememorando esse passado tão distante que ficaram gravados nesse cérebro de criança, hoje já adulto, mas lembrando tão nitidamente daquele dia inesquecível.
Dormi abraçado ao meu presente e, pena que quando mudamos tive que me desfazer de muitas coisas e ele ficou para trás, mas o guardei dentro da minha memória.
Se você leu até aqui, obrigado, mas por favor, não chora! Ah, mas se quiser corar, chora, pois saiba que aqui do outro lado distante de você há um poeta que não consegue segurar as lágrimas lembrando de como era difícil para o filho de pobre estudar nesse momento histórico, um contexto árido demais, porém não o suficiente para me parar diante aos obstáculos. Fui em busca de conhecer o mundo, de ler, escrever e em meio a tantas pessoas boas, outras nem tanto eu lutei para ser quem sou, professor, poeta e futuro psicólogo e a minha tia Inês talvez nem saiba, mas foi uma dessas inspirações, um dos “gatilhos” para tantos descobrimentos que fiz durante todo esse tempo por ter feito a maior alegria de uma criança que só queria estudar com um presente para muitos hoje ínfimo demais para gerar tanta felicidade. Pois é, mas a felicidade não está no valor monetário do presente e sim no tamanho do prazer e felicidade que ele pode proporcionar a quem recebe.
JOEL MARINHO
Manaus, 09 de novembro de 2018
Imagem disponível em: https://br.depositphotos.com/166619570/stock-illustration-notebook-and-two-pens.html
Me desculpe, caro leitor, se você por curiosidade começou a ler esse, eu diria relato de vida, classifique como qualquer coisa e/ou como nada, uma prosa poética ou simplesmente uma crônica, eu particularmente vou chamar de crônica de vida pessoal, não aconselho ler até o fim, mas se por acaso tiver curiosidade eu ficarei feliz, afinal alguém enfim se interessou saber um fato da vida desse humilde poeta.
Pois bem, vou lhes contar quando ganhei minhas primeiras canetas e meu primeiro caderno.
Era uma tarde, finalzinho de tarde e na região onde eu morava, Nona Travessa do Montenegro, interior de Bragança-Pará, era de costume colocar mandioca na água e depois de seis, sete dias que ela amolecia tirava aquela primeira casca e assim começa o processo até transformar em farinha para depois vendermos e então comprarmos as coisas que restavam para a nossa alimentação. Eu tinha entre nove e dez anos.
Naquela tarde minha tia Inês convidou a mim e meu irmão para ajudá-la a retirar a mandioca da água, mas não disse que nos daria nada, meu irmão falou logo não estar a fim de trabalhar de graça, ela então respondeu a ele: “perdeu o que tinha que ganhar”. Ele enraivecido respondeu não necessitar dela. Quando minha mãe soube dessa rebeldia infantil quase sobrou uma surra a ela que foi obrigado a pedir perdão a nossa tia. Belo tempo em que se respeitava os mais velhos e essa lição da minha mãe tenho guardado até hoje e não precisou nem chegar ao extremo do meu irmão apanhar.
Mas enfim, vamos ao fato principal!
Depois de alguns dias minha tia foi até Bragança onde vendeu sua farinha e fez suas compras, quando chegou foi até em casa com um pacote e me entregou dizendo: “esse é o presente merecido de rapaz trabalhador e que não mede esforços para ajudar, mesmo sem saber se irá ganhar algo em troca”. Outra grande lição que jamais esqueço, ajude a quem quer que seja se você pode ajudar, muitas vezes nem é você o beneficiado de sua ação, mas não há ação melhor que espalhar o bem, essa corrente hoje tão fora de moda devido a nossa individualidade narcisista.
Ao abrir o pacote me deparei com o presente mais lindo que poderia receber, um caderno de quatro matérias e duas canetas, uma azul e outra vermelha, justamente aquele que era o meu maior sonho de consumo, pois já na quarta série primária eu nunca tinha tido o prazer de escrever com uma caneta e em um caderno capa dura e espiral, os meus cadernos lembro, eram feitos de papel almaço, os quais meu pai comprava e minha mãe recortava cada página em quatro pedaços menores e em seguida costurava a mão, meu lápis tinha que durar entre três e seis meses, então um caderno era tudo, o meu sonho, quase delírio de criança estava sendo realizado, foi amor à primeira vista, as lágrimas vieram à tona iguais às que caem agora rememorando esse passado tão distante que ficaram gravados nesse cérebro de criança, hoje já adulto, mas lembrando tão nitidamente daquele dia inesquecível.
Dormi abraçado ao meu presente e, pena que quando mudamos tive que me desfazer de muitas coisas e ele ficou para trás, mas o guardei dentro da minha memória.
Se você leu até aqui, obrigado, mas por favor, não chora! Ah, mas se quiser corar, chora, pois saiba que aqui do outro lado distante de você há um poeta que não consegue segurar as lágrimas lembrando de como era difícil para o filho de pobre estudar nesse momento histórico, um contexto árido demais, porém não o suficiente para me parar diante aos obstáculos. Fui em busca de conhecer o mundo, de ler, escrever e em meio a tantas pessoas boas, outras nem tanto eu lutei para ser quem sou, professor, poeta e futuro psicólogo e a minha tia Inês talvez nem saiba, mas foi uma dessas inspirações, um dos “gatilhos” para tantos descobrimentos que fiz durante todo esse tempo por ter feito a maior alegria de uma criança que só queria estudar com um presente para muitos hoje ínfimo demais para gerar tanta felicidade. Pois é, mas a felicidade não está no valor monetário do presente e sim no tamanho do prazer e felicidade que ele pode proporcionar a quem recebe.
JOEL MARINHO
Manaus, 09 de novembro de 2018
Imagem disponível em: https://br.depositphotos.com/166619570/stock-illustration-notebook-and-two-pens.html