O SONHO É UM PENSAMENTO, A REALIDADE É UMA AÇÃO!

Era uma época boa demais embora eles não soubessem disso. Faziam o que se chamava então, de segundo ano do segundo grau. Ricos, remediados, e até alguns pobres, todos estudavam num colégio particular de, no mínimo, classe média alta. Uma turma unida, entrosada. Um professor de geografia teve a idéia de fazer um passeio didático para a Chapada Diamantina, mas precisamente Lençóis. Para os meninos, a didática estava renegada à últimos planos, o que estava valendo mesmo era a curtição. Aquela excursão prometia ser o barato do ano letivo. A década de 80 alcançava a sua metade. Começavam a surgir Legião, Ultraje, RPM, Barão e outras bandas que deixaram uma marca visceral na história do Brasil e daquela geração.

Alano era um cara complexado. Embora se desse bem com todo mundo, não se sentia parte daquela turma. Era o mais pobre, magrelo em demasia, do interior, alvo de gozações e, por tudo isso, se sentia inferior. Logo quando chegou a Salvador e começaram as aulas, ficou deslumbrado com a beleza das garotas da escola, mas logo percebeu que para ele, pouca coisa ou nada restaria. Foi assim um ano e quase oito meses. Ele conformado com sua situação de menor. O próprio se colocando abaixo daquilo que, não sabia ele, poderia ser. No entanto era um cara sonhador e fantasioso. Sonhava com um carro do ano, com uma academia e um corpo musculoso, em se sentir igual a todos. Mas, na verdade, o que ele mesmo desejava tinha nome, bunda, peitos e vagina. Martha! Como era maravilhosa. A mulher mais bonita da escola na sua visão. Corpo perfeito, rosto lindo, olhos de um azul assassino, sorriso letal. O inalcançável, o sonho impossível.

Um dia ele percebeu que tudo que desejava para se ambientar, estava longe demais das suas mãos. Carro, corpo atlético, dinheiro, tudo isso ainda estava muito distante. Mas tinha ele duas armas muito mais poderosas que todas aquelas juntas, das quais ali, ninguém estava preparado para enfrentar: a inteligência e a sensibilidade. Percebeu também que, mesmo com todos os pontos que julgava desfavoráveis, era uma pessoa querida e respeitada por todos. Justamente por usar, mesmo que de forma inconsciente, as armas que dispunha. Quando tomou tal consciência, tomou junto uma decisão: nem que por uma noite, nem que por um diminuto momento, Martha ainda seria dele. Foi aí que começou a jogar.

Observando seu alvo, percebeu que ela era uma deslumbrada, apaixonada por Régis. Um cara que era tudo que ele não era, tudo que ele um dia sonhara, mas que pouco dava importância à menina, que a usava e jogava fora como se joga a garrafa da água no lixo depois da sede morta na boca. Ela se humilhava, sempre voltava à seus pés mas Alano percebeu que ela, como todas as pessoas na vida, tinha também seu limite e este estava muito próximo. Com conversas, apoio e compreensão, ganhou a confiança e a simpatia de Martha. Quando soube do passeio logo pensou que sua maior chance havia chegado. Uma convivência intensa, num fim de semana inteiro, era o que ele precisava. Tinha um problema sério porém: Régis também iria para o passeio e Martha só falava nas possibilidades de reatar com ele nesta viagem, o namoro que só ela cumpria. O próprio Régis resolveu este problema para Alano, sem que este mexesse uma palha sequer. Logo na viagem de ida, ficou com Simone, outra gata das mais cobiçadas, deixando Martha decepcionada, fragilizada e carente. Era tudo que Alano precisava.

Lá em Lencóis, durante as caminhadas no primeiro dia, era sempre junto de Alano que Martha seguia. Era com ele que ela chorava as suas mágoas, com ele que ela se abria. Sabendo onde queria chegar, o cara foi aos poucos mostrando a menina, o pouco valor que ela se dava e o muito valor que ela possuía. "-Você já pensou que existem muitos outros homens que dariam uma vida pelo seu choro? Ou melhor, que dariam uma vida para não fazê-la chorar?" Além das palavras, aproveitava os momentos propícios para exercer o poderoso recurso do toque. Sempre ao confortá-la, tocava a sua pele com carinho. Um toque de compreensão, um toque de consolo, mas sem deixar de mostrar, que ali também, havia um toque de desejo. Ela parecia não entender, não esboçava porém, a menor resistência ao que vinha acontecendo.

A noite chegou, a fogueira acendeu, Alano então, usou suas armas e deu o golpe fatal. Pegou o violão e começou a tocar e cantar naquela roda que circulava o fogo, mas pra ele ali, só Martha existia. Em cada música, em cada acorde, em cada verso, em cada olhar que mirava sempre os olhos de Martha. A cada música que rolava, sempre escolhida com precisão, Martha parecia, cada vez mais , entender o recado. Quando a madrugada iniciava seus primeiros acordes, Régis levantou com Simone e se embrenhou nos campos que circundavam a pousada. Alano logo entoou: "Agora, justamente agora, agora que eu penso em ir embora você me sorri, me sorri...ele foi embora, nem faz uma hora...tolo, pensou que beijar sua boca foi consolo... se não fez amor com você, faço eu!" Uma lágrima rolou no rosto de Martha. Alano a secou com "Se você quiser ser minha namorada, ah! que linda namorada, você poderia ser..." Quando a música terminou ele disse: "-Martha. Venha comigo, quero lhe mostrar uma coisa!" Ela atendeu e saíram juntos, em vez dos campos, tomaram o sentido oposto, e foram para a margem do rio. A lua cheia, com a antecedência devida encomendada pelo rapaz, iluminava e fazia brilhar os rostos que agora muito próximos se encontravam. "-Martha você precisa e precisa com urgência, ser a mulher forte e maravilhosa que carregas, mas que nunca deixa aflorar." Beijou-lhe com intensidade, com desejo e volúpia. E ali, naquela calma e bela margem de rio, pela primeira vez, os dois fizeram amor.