Eloquente choro
Era agosto de 1986. Uma noite fria. Um vento gélido, que cortava e afugentava as pessoas da rua, aumentando a sensação de abandono. O cenário era a plataforma da estação ferroviária. Um casal e o filho de 18 anos, personagens comuns de uma história comum. Uma mala de napa, num xadrezinho preto, verde e um branco encardido, um zíper defeituoso, que trazia consigo umas poucas roupas e todos os sonhos de vencer na vida daquele jovem. Mas a imagem mais marcante daquela cena era o choro silencioso daquela mãe, que, impotente, via romper-se definitivamente o cordão umbilical do seu filho mais velho. Não havia nada que ela pudesse dizer ou fazer que dissuadisse aquele filho da ideia de seguir seu caminho. Restava pedir a Deus que abençoasse cada palmo da estrada que ele trilhasse. Resignada, escolheu calar e chorar o choro mais dolorido que aquele jovem já vira, e cujas lágrimas grossas e pesadas chegaram a sulcar o rosto daquela mãe. Ele nunca entendeu direito porque aquele momento, que deveria significar alegria pelo início de uma história, pela busca do novo e por tudo que encerra o desejo de vencer na vida, transformara-se em choro.
O tempo passou e, hoje, 32 agostos depois, numa manhã gelada, em que o vento cortava e afugentava as pessoas da rua, aumentando ainda mais a sensação de abandono, na plataforma metafórica de um lugar distante, aquele outrora filho, hoje pai de um primogênito de 19 anos, que, como ele, também traz uma mala cheia de sonhos, finalmente entendeu o porquê daquele choro da sua mãe. Impotente, calou e chorou o choro mais dolorido que aquele outrora jovem já chorara. Tão doloroso quanto aquele que, um dia, vira em sua mãe. Os sulcos, agora, marcavam o seu rosto, deixando cicatrizes que o seu filho talvez entenda daqui outros tantos agostos. Resta pedir a Deus que abençoe cada palmo da estrada que este filho venha a trilhar.