Assim ou ... nem tanto. 157
Não vi ninguém. As casas desalinhadas definiam uma ruela empedrada e as ervas medravam junto aos degraus de muitas entradas. Quinze ou vinte seriam no todo as habitações da localidade que ali se aninhava e escondia. Vi o milho a secar numa eira e duas galinhas paradas, a olhar-me com curiosidade. Não havia, rigorosamente, ninguém à vista mas todos espiavam pelas frestas das portas desengonçadas, por trás de vidros sujos, metidos nas medas de trigo, ou ocultos pelas sombras do interior da taberna de três bancos vazios. De pé, desenhou-me o cérebro o primeiro vulto, dobrado sobre um balcão. Entrei. - Só há vinho tinto e torresmos. O pão é de há três dias mas ainda se ajeita um caldo de couves. Sentei-me pela sopa e puxei a conversa da mulher que apareceu sob o xaile preto. O gato cruzou a adega e deitou-se ao sol no xisto quente. A mulher refez o nó do lenço, subiu os óculos, esfregou a boca na manga do blusa grosseira e disse: - Não há novidades por aqui. Olha-se este desespero e é tudo velho, desamparado, triste. Os que ficaram, por inúteis, por só saberem de horta e castanhas, arrastam-se mal humorados como se uma raiva forte os tomasse. Nem falas, nem a salvação e desaprenderam o riso. Esperam a sua vez mas nem saberiam dizer se querem morrer ou cair ao Açude como o Calisto que de tanto vinho errou todos os passos até lá. Que Deus o tenha. E a mulher, bichanando as contas do rosário, voltou a olhar-me como se fosse uma maravilha do mundo. O taberneiro, rouquejou a voz e disse: - Por aqui não vem ninguém. Faça de conta que caímos ao mar e estamos agarrados a destroços. Somos poucos e náufragos.