INOCENTES ABANDONADOS

Observo-os pelas ruas e avenidas, a vagarem errantes, desolados, todos os sentidos em alerta. Alguns deixam transparecer sua falta de intimidade com esse tipo de vida e ambiente. A rua onde moro, em toda a extensão do meu quarteirão, tem casas num só lado. No outro, tem calçada larga, com passeio pavimentado para os pedestres e um canteiro de grama entre este e o longo muro de uma escola. Muitos desses novatos têm seu batismo de fogo ali, onde são abandonados.

Manaus, até muito recentemente, era uma cidade horizontal, com pouquíssimos arranha-céus. Nos últimos quinze anos, vem se verticalizando muito intensamente. Seus habitantes, fascinados com o novo estilo de moradia oferecido, estão mudando em grande escala para prédios de apartamentos. Para isso, não hesitam em deixar nas ruas seus animaizinhos de estimação. Especialmente cães e gatos.

Em meu quintal, tenho vários gatos (alguns resgatados) e um cão. Já não disponho de espaço para abrigar outros animais. Toda noite, porém, alimento cerca de meia dúzia de gatos, que vêm procurar comida em meu portão.

Um episódio que me marcou muito, há uns quatro anos, deu-se numa avenida muito movimentada, em trecho já próximo do centro da cidade. As duas faixas de rolamento, no meu sentido de direção, estavam congestionadas de veículos. Eu seguia pela faixa da esquerda. Olhando para a direita, vi um cãozinho que corria pela calçada, acompanhando os carros. Em princípio, nada vi de anormal naquilo. Porém, mais de um quilômetro depois, vi que o cãozinho, que na verdade era uma cadela, continuava a correr pela calçada. Aquilo já não era normal.

Passei a prestar atenção, e vi que, quando o sinal fechava, a cadelinha pulava na janela de um carro que seguia pela faixa da direita. Pulava e pulava, como a dizer: "Ei, estou aqui! Abra para eu entrar!". Mal o sinal abria, o motorista acelerava e se distanciava do animalzinho, que corria muito para não perder o contato visual com o dono, até o próximo sinal. Então, o sinal abriu e havia um longo trecho de pista livre pela frente. O cara acelerou e ela não conseguiu mais acompanhá-lo. Depois de correr o máximo que podia, já com a língua de fora, estacou de repente e ficou a olhar desolada para o carro do dono que sumia na distância e a abandonava ali, sem um pingo de compaixão.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 04/11/2018
Reeditado em 07/11/2018
Código do texto: T6494621
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.