PRAGA DE MÃE:

Um dia desses eu estava saboreando uma torta de frango e bebericando um vinho tinto suave, quando ouvi uma frase, de alguém que passava pela minha rua. Isso seria quase duas horas da manhã de um Domingo de Outono. Eram duas senhoras e uma jovem, com uma mochila às costas. Eu não as reconheci e nem me preocupei em imaginar quem seriam nem para onde iam. O que me despertou a atenção foi a frase que uma delas disse, provavelmente a mais velha das três. Ela disse; _ isso até parece praga. Praga de mãe!

Sei que é apenas uma frase corriqueira, como outra qualquer, mas eu, naquele momento, estava mesmo nostálgico, relembrando fatos passados, e essa frase me impactou. Confesso.

Sorvi longo trago de minha bebida e fiquei por algum tempo olhando para o colorido do líquido naquela taça longa e fina. Um burburinho de coisas passou rapidamente em meu consciente, (ou sub) sei lá. As imagens e sons passavam velozmente na tela da minha lembrança e imaginação. Depois de alguns poucos segundos, que poderiam me parecer longos minutos, a roleta imaginária parou, brecou e uma seta invisível apontou para um fato e paisagem de 1963.

Era uma família humilde e bem, pobre. Todos éramos pobres naquela época e região. Me lembro que na casa deles não tinha crianças e nem pai, ou marido da senhora que habitava lá. Mas tinha três rapazes, filhos dela. Um era alto, de cabelos lisos e olhos azuis. Parecia com a mãe, uma mulher magricela de longos cabelos claros e olhos também azuis. O segundo rapaz era baixo e forte, carpinteiro e jogador de cartas. Esse bebia muita cachaça e era polêmico. Seu nome era Adão. O terceiro se chamava Joaquim, era negro, bem escuro e tinha apelido de *Conosco. Joaquim Conosco, era como todos o chamavam. Diziam que ele ganhou essa alcunha por colocar essa palavra (*conosco) em várias falas, inclusive onde ela não cabia. Mania dele.

Essa família morou pouco tempo perto de minha casa (vivíamos em um sítio) e mesmo eles se mudando para outro município ao lado, ficamos vários anos sem contatos. Mas quando eu era adolescente, fui com umas tias visitar a dona Benedita. Esse era o nome da senhora magrela de olhos azuis.

Algumas semanas se passaram depois de nossa visita, ficamos sabendo que a dona estava doente, com braço e costelas quebradas. Vizinhos contaram que o seu filho, o Adão, ao chegar em casa bêbado resolveu chutar o prato de comida e quando a velha reclamou, ele deu nela alguns chutes e petelecos. A senhora caiu ao chão, chorando mas o animal não parou de bater e chutar.

Quando adulto, certa vez, voltei nessa roça para visitar uma tia idosa, e no meio da conversa falamos de ex-vizinhos. Foi aí que minha tia me perguntou se eu conseguia me lembrar de meus vizinhos do tempo de infância. Respondi que sim e para confirmar, fui enumerando muitos deles. Quando falei do tal Adão, da dona Benedita, minha tia se arrepiou e me contou alguns fatos. Relatou-me o seguinte;

Era meados dos anos 80 e numa comunidade por nome Lajes, algumas senhoras procuravam lenhas numa reserva florestal de certa empresa, quando ouviram uma espécie de roncos e fungados. Pensando se tratar de um animal tipo tamanduá ou capivara, as lenhadores se aproximaram, cautelosamente de uma moita, na tentativa de ver o bicho. Viram.

Qual não foi a surpresa seguida de medo que elas tiveram. Andando sobre as mãos e joelhos, em posição animal, estava um homem branco de cabelos esguedelhados e roupas rasgadas, comendo a grama ainda molhada do sereno da noite. Elas ficaram abismadas e isso as paralisou. Ninguém se mexia ou dizia nada. Em dado momento, aquela coisa bizarra se virou e olhou para as donas, mas parece que nem as viu. Contaram que seus olhos, apesar de um bonito azul, tinham um brilho alucinado e de sua boca escorria uma espuma verde. Passado o momento de susto e paralisia, as duas correram para a vila e contaram a todos.

Meses depois, num bairro chamado Beta, um cidadão manobrava seu carro perto de uma zona boêmia, quando viu um animal sair correndo do mato e cair do barranco, bem na beira da estrada. Como o veículo ainda estava atravessado na via, com a frente direcionada para o mesmo barranco, ele pode ver tudo claramente. Não se tratava de um animal e sim, de um homem maltrapilho, de aparência fantasmagórica. Outro carro que vinha da boemia, também parou e juntos socorreram o infeliz. Levaram-no ao hospital mais próximo, mas o elemento entrou em óbito. O laudo médico diagnosticou que o paciente morreu por desnutrição, desidratação, inanição e asfixia por ingestão de plantas gramíneas. Mato.

A comunidade cuidou do velório e sepultamento, pois o homem, reconhecido como Adão, filho da dona Benedita, velho conhecido que havia desaparecido da região por anos e constava como mais um indigente.

Algumas pessoas que no passado haviam sido vizinhas do Adão, confirmaram que ele batia na própria mãe e, no episódio que ele chutou o prato de comida e depois chutou a velha , causando nela fraturas no braço e costelas, a mãe reagiu e disse-lhe;

_Gente que age assim, como você, merece morrer comendo mato!

( Pardon )

( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 02/11/2018
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