O problema de ser obediente
A obediência é uma virtude altamente elogiada. Todos falam que os filhos têm de ser obedientes e a própria Bíblia enfatiza que se deve obedecer aos pais. O problema é que, na prática, essa virtude tão aclamada pode ser prejudicial para as crianças que a possuem. Se a criança obediente for filha de pais controladores que acham que devem decidir suas vidas, eles podem acabar por querer transformá-la naquilo que acham que ela deveria ser, em vez de deixá-la livre para decidir sua vida. São inúmeros os casos de meninos obrigados a fazer piano ou meninas cujas mães as forçam a fazer balé. Está certo que balé e piano são duas artes maravilhosas, mas não podemos forçar ninguém a ser bailarina ou pianista. Da mesma forma, há pais que proíbem os filhos de fazer um curso que dizem que "não tem nada a ver com eles", obrigando-os a fazer Medicina ou Direito, por exemplo. Como vemos, certas virtudes podem se voltar contra nós.
Um outro problema, que merece ser enfatizado, é que vivemos em um mundo no qual ser educado é o mesmo que ser idiota e ser bom se tornou sinônimo de otário. E mesmo no seio familiar os filhos podem começar a sofrer preconceito por parte dos seus pais. Se um filho ou filha for muito obediente e sempre acatar as ordens dos seus genitores, eles podem acabar por entender que elas são passivas e sem opinião própria. Muitos são os filhos que eram crianças obedientes que se queixam:" Eu nunca desobedeci, fui bom aluno, ajudava em casa, mas meus pais respeitavam mais meu irmão, que vivia dando trabalho." É como se ser desobediente e egoísta, só fazendo o que se quer, significasse ter personalidade forte. Até parece que os pais, para compensar o fato de que não podem controlar o filho desobediente, passam a oprimir aquele que não lhes dá trabalho, impondo-lhes suas escolhas como se ele não pudesse escolher por si próprio.
Filhos obedientes podem acabar se ressentindo porque, se eles costumam ajudar em casa e os irmãos desobedientes não ajudam, logo veem que os pais mimam em demasia aqueles filhos que só fazem o que desejam e não exigem que façam tarefas domésticas nem controlam a hora deles chegarem em casa, ao passo que os obedientes vivem sendo controlados. E, quando acontece de um filho rebelde fazer algo que os pais aprovam, são bastante elogiados, ao passo que os filhos que sempre ajudam se sentem como se suas ações fossem invisíveis. Não se trata bem de inveja ou ciúme (ainda que isso possa acontecer em alguns casos) mas de se ter suas qualidades reconhecidas.
Alguém aqui lembra da parábola do filho pródigo? O filho mais velho, queixando-se, diz que o pai nunca lhe dera um cabrito mas fora capaz de matar um bezerro para o filho que gastara metade de sua fortuna. Tirando a história do contexto bíblico e passando-a para um meramente humano, quem não acharia censurável um pai que nunca reconhecesse as qualidades de um filho que sempre o havia ajudado nos negócios e nunca lhe dera nenhum motivo de queixa? Não se está dizendo que o pai não deveria perdoar o filho que voltava arrependido, apenas que é necessário reconhecer os méritos de um bom filho, que não dá aborrecimentos nem deixa de ajudar. Está se falando pura e simplesmente de justiça. Alguém acharia certo que uma filha que vivesse limpando uma casa e estudando fosse considerada uma boboca passiva e os pais respeitassem mais a filha que só vivia namorando, nunca ajudasse em casa? Com certeza, não. E, se a filha que sempre ajudou se visse deixada de lado e se ressentisse, alguém pode deixar de entender os sentimentos dela, que se sente deixada de lado, como alguém sem importância?
Entendamos uma coisa. O fato de um filho ou filha ser obediente não quer dizer que ele não tem suas opiniões nem seja desprovido de capacidade de saber o que é bom para si mesmo. Ele tem seus próprios sentimentos e maneira de ver o mundo. Ser obediente não quer dizer que ele é um robô, apenas que ele é uma criança ou adolescente sensato, com senso de responsabilidade e que respeita os mais velhos. Infelizmente, a obediência é vista como passividade. E isso tem prejudicado a vida de muitos filhos que, após um certo tempo, sentem que "ser bom filho não valeu a pena." São inúmeros os adultos que dizem que sentiam que obedecer sempre aos pais só serviu para que os pais quisessem controlar suas vidas.